Prevenção teria evitado 80% das mortes no Rio, diz Crea

Nova Friburgo: lama e destruição. Foto ABr/EBC

Recuperação ambiental, reavaliação estrutural das casas e construção de pequenas barragens nas cabeceiras dos rios. São algumas das medidas propostas pelo Crea/RJ – Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura do Rio de Janeiro para prevenir ou reduzir o efeito de tragédias causadas pelas chuvas. Para o órgão, ações preventivas teriam evitado 80% das mortes causadas pelas cheias e deslizamentos que devastaram sete cidades da região serrana do estado, dias 11 e 12 deste mês. A defesa civil, hoje, conta mais 800 mortos e 541 desaparecidos.

O estudo foi divulgado nesta quarta, 26, e foca Nova Friburgo e Teresópolis, onde a extensão da catástrofe é maior. Chega a conclusões óbvias, já apontadas por muita gente e publicações, inclusive este blogue: a desgraceira poderia ter sido bem menor, se o poder público, prefeituras municipais em particular, tivessem feito o dever de casa.

Ou seja: contido a especulação imobiliária, o desmatamento  das encostas e a ocupação desordenada do solo. No mínimo, removido os moradores das áreas de risco, quando alertadas sobre a iminência do temporal.

Aliás, o Ministério Público local afirma ao Portal Terra que há dois anos tramita ação pedindo a desocupação das áreas de risco em Friburgo, com liminar e tudo – desconhecida, pelo visto.

A reconstrução de Teresópolis pode levar dois anos, diz prefeito ao Terra. Foto Abr/EBC

“Se tivesse sido cumprida a Lei brasileira correspondente a desmatamentos, certamente teríamos salvo 80% de vidas na região”, afirma Antônio Guerreiro, presidente do órgão, ao Portal Terra. Para ele, a falta de planejamento  dos órgãos públicos exarcerbou a tragédia.

Guerreiro alerta, ainda segundo o Portal Terra, para a probabilidade de novas catástrofes de verão, se não for tomadas as devidas providências.  Ainda que as chuvas caiam em grande intensidade, a mão desastrada do homem potencializa a força das cheias e dos deslizamentos de terra, aumentando a velocidade e o volume das águas que descem os morros, explica.

Na medida em que a maioria das prefeituras não está aparelhada técnica e humanamente para o trabalho preventivo, cabe aos governos estaduais e federal entrar em cena, defende o presidente do Crea-RJ.

****************************************

Em outras palavras, reforma urbana ampla, geral e irrestrita o quanto antes. É o que preconiza, em nota divulgada dia 20, a Conam – Confederação Nacional das Associações de Moradores. Transcrevo:

Nota Pública: A CONAM e a Luta pela Reforma Urbana no combate às tragédias

Nos últimos anos temos acompanhado os efeitos das fortes chuvas ocorridas em varias regiões Brasileiras, aonde vidas humanas, bairros e cidades vêm sendo destruídas nessas tragédias.

É comum responsabilizar a natureza e a população mais carentes que vivem em áreas de riscos pelos desastres diante das manifestações da natureza, sabemos que tal afirmativa é uma falácia, quando o poder público se exime da responsabilidade de planejar a ocupação do espaço urbano comete crime humanitário.

As chuvas são fenômenos naturais, mas seus efeitos são sociais, pôr atingir de forma diferenciada a população das cidades. A inexistência de uma política habitacional e de planejamento na ocupação do espaço urbano origina a construção de cidades desumanas e de exclusão social, podemos afirmar que as tragédias que vitimaram milhares de pessoas nos últimos anos são de responsabilidade social e moral do poder público nas três esferas de governo.

A questão central é a mercantilização das cidades pelos interesses do mercado imobiliário que empurra os trabalhadores para morar em áreas irregulares e sem infra-estrutura. A lógica de produção mercantil das cidades não oferece moradias dignas a preços compatíveis com a renda da população trabalhadora, levando esta a ocupar áreas impróprias para a habitação.

A omissão do poder público no enfrentamento da segregação sócio espacial e sua subordinação aos grandes interesses econômicos, e sua incapacidade de tornar efetiva a Função Social da Cidade prevista no Estatuto das Cidades. O Estatuto contém instrumentos jurídicos e urbanísticos com o objetivo de garantir que a cidade e a propriedade urbana cumpram a sua função social e possibilitem a vida digna de todas (os) como o acesso à moradia, ao saneamento ambiental, à mobilidade, à educação, à saúde, ao trabalho, à cultura, ao lazer entre outras políticas públicas inclusivas.

O Estatuto das Cidades e a Lei n.º 11.445 reconhecem o Saneamento Ambiental como um direito fundamental vinculado ao direito à cidade. Define como princípios fundamentais o saneamento como um conjunto de serviços e infra-estrutura, que envolve serviços de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgotos sanitários, limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos, rede de drenagem e manejo das águas pluviais urbanas, detenção ou retenção de vazões de cheias, destinação adequada das águas pluviais drenadas nas áreas urbanas. Estes serviços, se prestados adequadamente a todos, poderiam garantir maior qualidade de vida e reduzir os riscos de enchentes e mortes decorrentes das chuvas, evitando as catástrofes que vivemos.

Chamamos atenção sobre a catástrofe na Região Serrana do Rio de Janeiro considerada a maior já ocorrida no Brasil, não atingiu apenas bairros populares e irregulares, mas bairros de classe média alta com condomínio de luxo, isto demonstra a necessidade de uma política de gestão no uso da ocupação do solo. 

As tragédias não podem ser evitadas com políticas paliativas e desconectadas, mas com políticas integradas de curto, médio e longo prazo devendo ao Poder Público garantir a implementação dessas políticas e desses direitos para que as futuras gerações não sejam vitimadas.

 

A CONAM preocupada com os acontecimentos nos últimos anos vem a publico cobrar do poder público nas três esferas de governo um plano nacional que articule as políticas públicas de prevenção de acidentes, planejamento urbano, meio ambiente e saúde pública numa ação integrada para que se evitem danos materiais e perdas de vidas humanas.

É mais humano e mais barato investir em políticas de regularização fundiária, moradia para famílias de baixa renda e em prevenção a desastres naturais do que liberar elevados recursos como o governo federal vem fazendo nestes últimos períodos para recuperação de cidades e bairros.

Faz-se necessário que o Ministro das Cidades convoque uma reunião do Conselho Nacional das Cidades junto com os Ministérios do Meio Ambiente e da Integração Nacional, para discutirmos a elaboração um Plano Nacional de Prevenção a acidentes de catástrofes que tenham metas emergenciais e eficazes e que seja obrigatoriedade para os estados e municípios.

Além disso, a implementação do Estatuto das Cidades, a implementação de Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS e a aplicação maciça de recursos do programa Minha Casa Minha Vida para as 5 milhões de famílias que vivem em áreas de risco em todo o Brasil são medidas que podem contribuir para que no verão de 2012 não vejamos acontecer essas tristes catástrofes.

São Paulo, 20 de janeiro de 2011

Confederação Nacional das Associações de Moradores

5 comentários

  1. Fui passar o Carnaval de 2006 em Saquarema, região dos lagos, RJ. Fiquei P da vida com algumas coisas que vi por lá. Gente rica que cosntruiu casa na praia – na praia mesmo. A faixa de areia era o quintal da casa do cara. Cara que ficava pescando no fundo da casa dele e que olhava a gente com cara de C por estarmos passando alí, na praia pública, propriedade da União, do povo brasileiro. Um condomínio e um shopping foram cosntruídos na beirada da lagoa de Saquarema, impedindo o acesso de seus legítimos proprietários – o povo brasileiro. Na passagem de 2009 para 2010, uma pousada desabou em Parati, houve mortos, inclusive a filha dos donos: eles invadiram a faixa da praia – que é pública e construiram em área de preservação ambiental. Os governos não agem. As praias e os entornos dos corpos d’água são de responsabilidade da Marinha. Mas as ilhas e as praias do Rio são invadidas. As encostas de morros também. Quando as casas de campo escorrem como cobertura de sorvete, há comoção. Tomara que agora os governos comecem a agir. Tomara, com a morte dos ricos, sobre uma vida mais digna para os pobres.

Deixe uma resposta