Tráfico humano e trabalho escravo na Paraíba

Por Sulamita Esteliam
Foto globalvoices

Tráfico e trabalho escravo são graves violações dos direitos humanos. E é inadmissível que, em pleno século XXI, esse tipo de absurdo continue a acontecer. Infelizmente, porém, ainda há muita gente com vocação absolutista, que se acha acima do bem e do mal, a ponto de submeter pessoas a toda sorte de desumanidades, à revelia da lei. Mas este país tem leis, não é terra de ninguém.

A história que passo a relatar, é bom que se diga, é obscena, indigesta e revoltante. Não obstante, é também uma história de solidariedade e de poder de organização de mulheres que fazem a diferença.

Felícia Aurora é uma jovem angolana que porta salvo-conduto para permanecer no Brasil até o dia 14 de fevereiro, tão somente. Escapou, recentemente, de ser deportada, dada sua condição de imigrante ilegal no país. Sofre com anemia e perda galopante de peso, fruto da exploração a que foi submetida ao longo de quase um ano em João Pessoa, Paraíba.

Seu destino será decidido pelo Ministério do Exterior, com interveniência do Ministério da Justiça. Dias 27 e 28, chega à capital paraibana Eduardo de Araújo Nepomuceno, da Coordenação ao Enfrentamento do Tráfico de Pessoas, da Secretaria Nacional de Justiça. Além da situação de Felícia, vai reunir-se com grupos e organizações locais para averiguar outras ocorrências de tráfico naqueles sítios e discutir formas de combatê-lo.

É o que nos conta, via Rede Mulher e Mídia, Terlúcia Silva, da Bamidelê – Organização de Mulheres Negras da Paraíba. A ideia é obter o visto temporário para Felícia Aurora. A Resolução 93, do Ministério das Relações Exteriores, garante a permanência, por um ano, de pessoa que tenha sido traficada. As autoridades concordam que é o caso da jovem angolana.

Diz o artigo 3, parágrafo único: “Na hipótese de o estrangeiro encontrar-se em situação migratória irregular, o Ministério da Justiça diligenciará junto ao Ministério das Relações Exteriores para a concessão do respectivo visto no Brasil, nos termos da Resolução Normativa nº 09, de 10 de novembro de 1997”.

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Felícia Aurora chegou ao Brasil em abril do ano passado, trazida por um casal de empresários paraibanos, cujo nome não se divulgou. Veio em busca de um sonho: estudar. Trabalharia meio expediente como doméstica na residência deles. Estudaria no período restante. Teria moradia e salário. Ficou na promessa.

Felícia foi transformada em escrava. Trabalhava de segunda a segunda, pela manhã, à tarde e à noite. Cuidava da casa de seus patrões pela manhã. Cozinhava para os empregados da fábrica de sorvetes dos patrões, onde também prestava serviços à tarde. À noite, funcionava como atendente na sorveteria que o casal mantém em João Pessoa. E, “nas horas vagas”, ainda distribuía panfletos pelas ruas da capital paraibana.

Adoeceu. Teve que submeter-se a uma cirurgia. Não pôde mais trabalhar. Foi descartada por seus empregadores, como se trapo fosse. Sem lenço, dinheiro ou documento.

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A causa de Felícia chegou aos ouvidos das entidades de defesa das mulheres e dos direitos humanos da Paraíba e foi por elas abraçada. Ganhou o Brasil, o mundo. Tornou-se movimento. Articulado, de saída, pela Bamidelê, pela AMB – Articulação de Mulheres Brasileiras e pela AMNB – Articulação de Mulheres Negras Brasileiras.

Uma carta de apoio à Felícia Aurora, e que descreve a saga da jovem angolana, foi divulgada ainda em dezembro. É assinada, até agora, por 145 organizações, grupos, articulações, redes locais, regionais, nacionais, internacionais. O movimento continua a se expandir: ganhou a rede mundial de computadores, o Ministério Público Federal o Ministério da Justiça, através da Secretaria Nacional de Justiça. Eliminou-se, temporariamente, o risco de deportação.

Há uma causa trabalhista em curso. A data-limite do salvo-conduto coincide com a segunda audiência: 14 de fevereiro; na primeira, os patrões não compareceram. O MPF tomou ciência e levou o assunto à Procuradoria Geral da República.

O Consulado de Angola no Brasil também foi acionado. Albertino Jesus, vice-consul passou os últimos dias em João Pessoa, para inteirar-se do caso e reforçar o apoio à sua compatriota.

Que se faça justiça, é o que se espera.

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