Por Sulamita Esteliam

Leio com tristeza notícia do Estadão, via internet, de que o Cine Belas Artes, tradicional reduto dos cinéfilos, na esquina da Paulista com Consolação, em São Paulo, vai mesmo fechar. Apesar da ação de tombamento em curso. A última sessão acontece dia 24 de fevereiro. No Facebook está ativa mais uma campanha para salvar o patrimônio cultural, desta vez pela desapropriação. A campanha pelo tombamento já mereceu até passeata no centro de Sampa. Para subscrever, clique aqui.
O advogado do proprietário, um certo senhor Fábio Luchesi Filho, diz ao jornal paulista que a ação não figura em suas preocupações, pois “não existe tombamento por função, e o imóvel não justifica a medida”. Diz mais: o dono estaria disposto a negociar, desde que se queira pagar o “valor de mercado” -, que ele não abre, mas que os locatários dizem ser a bagatela de R$ 160 milhões. Acrescenta que o o prédio “é a única fonte de renda” de seu cliente. Então, tá.

Fernando Meirelles, cineasta de Cidade de Deus, Ensaio sobre a Cegueira e O Jardineiro Fiel, é um dos sócios dos Belas Artes e, tudo indica, jogou a toalha. Informa ao Estadão que ele e o outro parceiro na empreitada, André Sturm (foto), conseguiram patrocínio, ajudados pela campanha via redes sociais. Subsídio para completar o pagamento do aluguel atual, na casa dos R$ 63 mil, insuficientes, pelo visto, para o desamparado proprietário sobreviver.
Apurada as receitas, o Belas Artes daria um prejuízo mensal de R$ 40 mil, segundo Meirelles. Mais do que isso – os 63 mil reais – “é inviável”, sentencia.
Em reportagem sobre a polêmica, o Jornal da Band, na última segunda-feira, dá a informação que falta: antes do processo de tombamento uma loja de departamentos se interessou pelo prédio. Ofereceu R$ 55 mil a mais pelo aluguel.
- Na passeata, dia 16, cartazes perguntavam: “Arte ou grana?”. O proprietário não tem dúvidas… Nova campanha pede desapropriação. Foto: Paulo Gadioli/Galeria UOL
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O Belas Artes parece estar com seu destino selado. Segue a trilha, sem final feliz, de dezenas, talvez centenas, de salas de cinema Brasil afora, sobretudo nas capitais. O cinema de rua foi sendo substituído pelas salas múltiplas nos shoppings. As antigas, em sua grande maioria, foram transformadas em templos, estacionamentos, casas noturnas e que tais. Poucos escaparam à sanha modernosa e, para mim, brochante.
Parei de ir ao cinema.
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Em Belo Horizonte, cuja história eu conheço de perto, a decadência começou ainda no final década de 70 – pela qualidade da programação. Nos anos 80 veio o grande golpe: o fechamento do Cine Metrópole, na Rua da Bahia com Goiás, coração boêmio de Beagá.
E o deleite dos amantes da sétima arte foi-se, em efeito dominó, década de 90 afora: Art Palácio, Guarani, Nazaré, Candelária, Palandium, Jacques, Art, Tamoios, Acaiaca, Pathê, Brasil… Odeon, Floresta, Santa Efigênia, Santa Teresa, Paradiso-Barreiro, Brasília-Bairro das Indústrias-Ferrugem …

Esse papo de cinema e nostalgia, a propósito, rendeu boa conversa, dia desses, no FB. Provocado pelo meu amigo, dos tempos da faculdade, Marcelo Procópio, editor do alternativo O Cometa Itabirano. Uma delícia! Já que pedi autorização para transcrever no blogue, e ninguém disse não, clique aqui para ler.
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A exemplo do que acontece, agora, com o Belas Artes paulista, o fechamento do Metrópole aconteceu sob comoção popular: queríamos o tombamento do prédio, que já abrigara o Teatro Municipal, antes de tornar-se sala de cinema, estritamente, em 1940. A mobilização, porém, resultou-se infrutífera. O cinema foi substituído por uma agência bancária, do Bradesco.

O banco tentou “compensar” a cidade, doando recursos para a construção de um teatro, o Klaus Vianna, no Alto da Afonso Pena, Mangabeiras – que aliás está fechado para reforma, há tempos. É administrado pela Oi.
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Recentemente, de passagem pelo centro de Beagá, vi que o Cine Brasil, em plena Praça 7, centrão de Beagá, está em reformas. Pensei em comentar com os amigos, mas passei batida. Lembrei-me disso agora. Naveguei pela rede, e o que encontro me devolve ao paraíso.
O “Mineirão dos cinemas” da capital mineira, cabia 1.600 pessoas, vai reabrir as portas, tenham fé, em 2012 – a previsão era para 2010. O projeto de restauração já dura cinco anos e consumiu R$ 18 milhões, via Lei Rouanet. A previsão orçamentária é de R$ 35 milhões.
Patrimônio histórico reconhecido, a revitalização começou ainda na gestão de Fernando Pimentel (PT) na prefeitura, que teria tido a ideia. Foi encampada pela Fundação Sidertube, braço cultural do grupo Vallourec & Mannesmann do Brasil. O projeto almeja recuperar o aspecto do prédio em 1932, quando foi inaugurado – vitrais, inclusive -, com adaptações de funcionalidade.
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O Cine Brasil vai tornar-se centro de cultura. O número de lugares da sala principal foi reduzido a 1.200, em nome da visibilidade e da acústica. Reduto de artistas e militantes, durante os anos de ferro da ditadura, o antigo Bar Brasil, parte do gigante de 8,3 metros quadrados, vira teatro com 200 lugares.

Ganha dois foyers, um café, sacada para receber serestas, áreas para exposições. O vão livre entre o teto do grande teatro e a fachada, com pé direito de 18 metros no prédio original, torna-se sala para eventos, com 600 metros quadrados.
No processo de restauração revelou-se a pintura original: nada mais, nada menos que obra do artista Ângelo Riggi, datada de 1927 a 1932. Debaixo de seis camadas de tinta, lá está o maior acervo de pintura art déco de Minas. Está sendo restaurada.
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Minha memória de residente há 13 anos e meio não alcança outras salas de cinemas tradicionais do Recife. Mas o Cine São Luiz, na Rua da Aurora, comecinho do Bairro da Boa Vista, área central da cidade, se não revive seus dias de glória, está de novo ao alcance do povo da cidade.
Reabriu suas portas há um ano, dia 19 de janeiro de 2010, depois de quatros anos fechado -pelo Grupo Severiano Ribeiro. O governo do estado, através da Fundarpe – Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco, alugou a sala – fala-se que por R$ 20 mil por mês -, restaurou-a e a devolveu, também como centro cultural.

Ainda não fui conferir o novo Palácio do Cinema, hoje Centro Cultural São Luiz. A imponente construção em mármore e vitrais, flerta com o Capibaribe, desde 1952. Entretanto, é muito bom saber que ele está lá, recuperado e em pleno funcionamento. De mãos dadas com outros circuitos históricos, todos com o respaldo do Estado/Município: os cines-teatros Parque e Apolo, Fundação e Rosa e Silva.

Alternativas, graças, às 44 salas comerciais, sem drops de anis: isonsas, inodoras e geladas. Nelas, aqui como lá e alhures, praticamente, só há espaço para Hollywood – além de pipocas e acompanhamentos de praxe.
Quem sabe, dia desses, eu experimento…? Quiçá, retome o hábito, de feliz memória, do escurinho do cinema.
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Fontes para BH, além do registro atemporal:
Portal Uai/Estado de Minas: www.uai.com.br
www.proteuspatrimoniocultural.blogspot
Fontes para o Recife:
www.cinemascopiocannes.blogspot.com/
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