Justa homenagem a Lélia Abramo

Por Sulamita Esteliam
Lélia Abramo, memória reverenciada em São Paulo - foto: FPA

Lélia Abramo, atriz, militante política e dos direitos humanos, uma das fundadoras do PT – Partido dos Trabalhadores, teria feito 100 anos no último domingo. Nesta terça, 08, a Funarte, com apoio da Fundação Perseu Abramo, vai homenageá-la, com significativa programação cultural. A partir das 19 horas, no Teatro de Arena Eugênio Kusnet, centro de São Paulo. A programação está no sítio da Fundação Perseu.

De lá recolhi precioso texto do poeta Pedro Tierra, que traduz Lélia, com alma – e o talento que lhe é peculiar. Transcrevo, bem como indicações de leituras sobre esta mulher notável, também postadas pela FPA.

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Ser e representar: uma palavra para Lélia Abramo

Por Pedro Tierra
publicado em 08/05/2006

Penso em Lélia Abramo como personagem. Personagem do século XX. Trouxe consigo as marcas desse século de agonia e paixão: mulher, militante dos movimentos sociais, nas ruas e no palco, herdeira da tradição libertária dos anarquistas e socialistas, além de trazer no sobrenome – Abramo -, quem sabe o selo de uma longínqua da ascendência judaica, o que terá provocado não poucas angústias durante o período da segunda grande Guerra, quando viveu na Itália, sob o regime fascista de Mussolini.

Talvez pensá-la como personagem produza um certo distanciamento. Aquele entre a nossa paixão de espectadores e o universo simbólico que encarna uma atriz como Lélia, quando sobe ao palco de “Eles não usam black-tie”, ou no momento em que assina a ata de fundação do Partido dos Trabalhadores, no 11 de fevereiro de 1980. Em ambos os momentos exprime a verdade profunda que atravessa sua vida: a vida de atriz. Ser e representar como um ato único e indivisível num mundo tragado pela contradição. Entender e assumir essa dilaceração como face essencial do teatro no mundo contemporâneo e, em particular, em um país submetido por décadas à tirania dos generais.

Não estamos, apenas, diante de uma militante que, para cumprir suas tarefas políticas de organizar e mobilizar sua categoria para o combate à censura e ao terror cultural, durante a ditadura, se faz, às vezes, de atriz. Estamos diante de uma atriz, das maiores, porque vive o que representa e representa o que vive e por isso falará de maneira permanente para a história do seu povo. Era, afinal, o que desejava. E cumpriu.

Recorro à Poesia, expressão que Lélia Abramo amava tanto, para nutrir sua memória:

“Ensinou-me o fogo
e a palavra.
Lavrou-me nos pés o roteiro
dos caminhos que percorrerei:
nenhuma dor visite a casa do meu irmão
sem se fazer lágrima nos meus olhos.
Nenhuma investida dos cavaleiros da morte
será silenciada.
E se vier a tortura ou a morte,
a marcha para o sol reunirá
os pedaços dispersos do meu corpo…
E o canto do povo sobre a cidade aberta
não me surpreenderá adormecida.”

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