por Sulamita Esteliam

Ando à procura de poesia, que em mim tem o poder de abrandar o coração. O meu anda troncho, teso, em brasa, num desassossego de dar gosto. Um sobe e desse da garganta para o estômago, do umbigo para o cérebro, que leva o juízo a se perder de rumo.
Busquei a simplicidade de Coralina, mas acabei esbarrando na substância de Adélia, drumondiana. E é dela o poema que compartilho, antes que o sono me pegue de jeito, e falta pouco, e a madrugada atice o fogo de minha alma – irremediavelmente.
Bom fim de semana.
Com licença poética
Adélia Prado
Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.