Regular para deter violência e garantir direitos: necessidade urgente

por Sulamita Esteliam

O que tem a ver a regulação das plataformas digitais, em exame na Câmara dos Deputados, via PL 2630 – vulgo PL das fake news, e a prevenção da violência, principalmente nas escolas? Se você pensou em “tudo a ver”, não está longe da razão, pois tem muito a ver.

A comunicação está na gênesis da causa e efeito, em toda e qualquer área, aliás: exatamente na diferença entre informação e manipulação, verdade e mentira.

E mais do que células fascistas, grupelhos de garagem – mal comparando, como as bandinhas de rock dos anos 70. É principalmente nas plataformas digitais que circulam o vírus do ódio e a cooptação nazifascista, combustíveis da violência.

A lembrar que recentemente um casal de adolescentes foi assassinado a tiros num colégio, desta vez em Cambé, no interior do Paraná. O agressor é um jovem de 21 anos, ex-aluno, que alegou ter sido vítima de bullying em seu tempo de aluno.

O autor se matou ou foi morto na cela para onde foi recolhido; o caso está sob investigação, e eleva para seis o número de casos no Brasil desde setembro de 2022.

Há outros envolvidos, quatro deles presos até o dia 26: um deles, apontado como o mentor, é um garoto de 18 anos, de Gravatá, Pernambuco.

A rede e seus tentáculos: Nordeste-Sul; não há fronteiras para o ódio.

Seminário sobre comunicação e internet em Salvador, no início de junho em curso, tratou do assunto. Iniciativa importante do Centro de Estudos Midiáticos Barão de Itararé, embora pouco divulgada, mesmo na rede alternativa de blogues agregada ao organizador.

Convidado para a solenidade de abertura, o ministro da Secretaria de Comunicação do governo Lula, deputado e jornalista Paulo Pimenta (PT-RS), resgatou o histórico dos ataques e fez a devida correlação:

“No dia dos ataques à escola tiramos 500 sites do ar, em parceria com governos e prefeituras, pois exaltavam o nazismo e a violência, a pedofilia, o racismo e a homofobia. Também vale ressaltar que existe uma relação direta entre desinformação e as mortes durante a pandemia no Brasil.”

Outro ministro, Flávio Dino, senador da República (PDT-MA), ex-governador e ex-juiz, ao prestar solidariedade pública aos familiares da garota e do garoto vítimas da ação do assassino, refletiu a respeito, levando em conta esse aspecto:

“De modo inaceitável, essa modalidade de violência se implantou no Brasil. Nós vemos sociedades em que a violência é alvo de apologia. As estatísticas de ataques a escolas nos EUA mostram que esse não é um exemplo ao nosso país. E o que nós vimos hoje, em larga medida no Brasil, é exatamente apologia à violência, que está hoje na palma da mão da nossa juventude, pelos smartphones, tablets e pela proliferação irresponsável de mensagens de violência de ódio na internet, derrubando, às vezes, os esforços das famílias.”

Ao ser detido, o agressor paranaense confessou que planejou o crime durante quatro anos, e que a ideia era matar mais gente e depois se matar. Foi impedido por um professor, que segundo o governador Ratinho Jr (PSD), recebeu treinamento de segurança, recentemente, da Polícia Militar, que chegou à escola em 3 minutos.

Prova que o foco na segurança, apenas, não é suficiente para prevenir ataques, embora possam reduzir os danos perversos da ação violenta.

Mês passado, flanando pelas ruas de Osasco, aonde fui em missão familiar, passei em frente a uma escola, ao lado de uma igreja e em frente a uma pequena praça. Imagem bem interiorana, embora Osasco seja uma grande cidade.

Mas o que me chamou a atenção, de verdade, foi uma espécie de totem moderno indicando monitoramento policial. Fiz questão de fotografar e conferir no portal da prefeitura local: as escolas municipais são dotadas de monitoramento em tempo real e possuem o chamado “botão do pânico”, que permite o acionamento policial em caso de ataque.

Osasco terá Botão do Pânico instalado em todas as escolas  

Pego o exemplo de Osasco, em São Paulo, porque me despertou a curiosidade. Mas certamente, após o aumento da frequência de casos de violência nas escolas, com vítimas, providências do gênero estão sendo compartilhadas em todos os estados, em conexão com o Ministério da Justiça e órgãos afins do Governo Federal.

Prefeitura inicia instalação de câmeras de monitoramento em escolas municipais

Aqui em Pernambuco, por exemplo, onde vivo, foi desenvolvido um plano de segurança com vídeo-monitoramento, reforço da patrulha escolar e criação de uma central de monitoramento a ser implementada em cada regional do estado, o que naturalmente inclui a capital.

O Sistema Estadual de Inteligência e Segurança Pública da SDS está em contato direto com o Ministério da Justiça, com a Polícia Federal, com a ABIN e empresas que operam redes sociais no Brasil, a fim de obter dados que auxiliam o trabalho de monitoramento e identificação.

A orientação é de que, identificados, se encaminhe os suspeitos de praticarem ameaças e atos semelhantes a terrorismo para delegacias competentes.

Contudo, especialistas em segurança e educadores são unânimes em alertar para o fato de que o problema não tem resposta simples, muito menos automática. Mais: evitar atentados exige ações compartilhadas e compromisso de toda a sociedade, a começar pela família.

Vamos combinar que definir e implementar tais medidas se faz urgente no cenário atual.

Outro aspecto, pouco observado envolve o mito da cordialidade brasileira, que acaba dificultando a detecção de riscos de violência interna  no ambiente escolar.

É o que mostra estudo do consultor Legislativo Sérgio Senna, da Câmara dos deputados – deixo o link ao pé da postagem.

Algo que está além da violência física, as chamadas incivilidades: agressões verbais, falta de respeito, humilhações por isolamento social e/ou preconceito; a violência simbólica, com a negação da identidade, falta de prazer nas atividades da escola, indiferença.

O gatilho que leva ao planejamento e à prática da violência, muitas vezes, está em traumas decorrentes de situações humilhantes, verdadeiras ou imaginárias, que levam a sentimentos de inadequação que deixam traumas. E os autores que sobreviveram para contar o que motivou a ação violenta o confirmam.

No entender do autor do referido estudo legislativo:

“São necessárias ações articuladas entre segurança, políticas públicas, garantia de direitos e novas práticas culturais que reorientem crenças, valores e emoções, colocando cada indivíduo no centro de seu processo decisório autônomo e responsável, focando mais em ações de promoção da paz do que em aplicações jurídicas e clínicas.”

O PL 2630/2020 institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Em miúdos, combate a desinformação e garante direitos de cidadania ao estabelecer o princípio da transparência nas plataformas.

Segue o caminho do que vem sendo discutido e implementado em todo o mundo. Entretanto, vem sendo combatido, particularmente, pelas plataformas e representantes da extrema-direita.

As plataformas influenciam comportamentos, monopolizam a informação e a desinformação mundo afora, e querem liberdade irrestrita para faturar em cima de seu poder.

Estranhamente, até setores da própria esquerda, que veem na iniciativa uma tentativa de censura à liberdade de expressão, o que é, no mínimo, desonesto de todas as partes.

O PL 2630 é recomendado pelo FNDC – Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, no que concordo plenamente: “a regulação das plataformas digitais é necessária e urgente”.

Em manifesto publicado ainda no final de maio, ele resume os benefícios e defende a aprovação como necessária e urgente:

“O PL fixa exigências de transparência no funcionamento das plataformas digitais, inclusive no que diz respeito à publicidade. Também coíbe a censura privada (cometida amplamente pelas plataformas), estabelecendo que elas ficam obrigadas a notificar o autor, quando tomarem alguma medida em relação a um conteúdo publicado/divulgado. Elas devem ainda apresentar uma justificativa para a medida e os procedimentos para que o autor possa recorrer.”

(…) não vem para estabelecer a censura, como levianamente tem sido afirmado pelos que não querem a regulação. Vem para acabar com a censura privada das plataformas e, ao mesmo tempo responsabilizá-las por sua atuação. Elas ficam obrigadas a avaliar riscos à saúde pública, à democracia e à integridade física das pessoas, por exemplo. Mas somente podem agir em casos específicos, nos quais o risco seja grave e iminente.

Portanto, os avanços são muitos, ainda que não se esgote num único projeto de lei todo o arcabouço regulatório para que tenhamos democracia nas comunicações e soberania informacional.”

Regular é democratizar; é garantir o direito à liberdade de expressão e, ao mesmo tempo, coibir a disseminação indiscriminada de mentiras, de discursos de ódio e de apologia à violência. Regular é garantir direitos e proteção para todos(as).”

PS: postagem atualizada em 27.06.2023, às 18h22: inclusão de parágrafos e link sobre o ataque à escola de Cambé.

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Outras fontes recorridas

Portal da Câmara: Saídas possíveis

Ministério da Educação: Estratégias em debate

Ministério da Educação: Seminário sobre proteção às escolas

Ministério da Justiça: Solidariedade e ação

Governo de Pernambuco: Protocolo de Segurança nas Escolas

Nova Escola: Como evitar ataques

Barão de Itararé: O poder das plataformas

Barão de Itararé: Seminário sobre regulação das plataformas e democracia na comunicação

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