por Sulamita Esteliam
Minha netinha caçula tem 5 anos, mas foi com a mãe ao cinema assistir Barbie. Acompanhada de mãe, pai ou responsável a criança pode assistir a filmes acima da faixa etária recomendada. E minha filha é dessas que ignora barreiras.
Perguntei à pequena, esperta e vivaz, se ela entendeu a mensagem e se gostou do filme. A resposta:
– Eu dormi, vovó.
A mãe não perderia por nada o filme, embora diga “nunca gostei de Barbie”. Mas gostou do filme, que me resume assim:
– Traz a Barbie Estereotipada do seu mundo de fantasia, cor-de-rosa, para o mundo real, provocando um choque de consciência. Mas não tem nada que uma criança não possa assistir, essa baboseira que esse povo da direita diz por aí.
Cinema é entretenimento e arte, a sétima arte. Pretende refletir a sociedade, o cotidiano, a História em suas múltiplas nuances, dores, amores, horrores e visões. Assim, se presta a influenciar hábitos e escolhas.
Não vi o filme, que é fenômeno de público e de um movimento – estético ou de mimetização ? – “todas e todos pelo rosa”. Mais brega impossível.
Esta semana, vi nas salas de esperas de uma clínica oftalmológica no Recife várias mulheres, de diferentes idades, vestidas com 50 tons de rosa; inclusive, a médica que me coube.
Impressionante.
O olhar complacente de pessoas que assistiram e aplaudem, gente que respeito, dificilmente me levará a uma sala de cinema, porém.
Então, a boneca-patricinha, branca, loira, rica, aventureira, cheirosa e assexuada, apesar do eterno namorado, desce da nave do poder da fantasia, e do salto, e aparece travestida em feminista, aos 64 anos de sua criação.
Mesmo produzido, escrito e dirigido por mulheres respeitadas no mundo cinematográfico. Ainda que as críticas apontem “o despertar” da consciência para a condição feminina na sociedade, a Barbie é o que representa.
Só mesmo a ignorância teleguiada pode explicar a tentativa de campanha contra o filme. Talvez nesse aspecto, de negar a negação da realidade, a película preste um bom serviço.
A indústria do entretenimento vive de criar ilusões, e uma coisa puxa a outra. Desde o nascimento, nas versões loira e morena, a boneca sexagenária ganha novas versões, de tempos em tempos, para se encaixar nas “tendências” comportamentais, na diversidade de gênero, etnia e credos .
Não é à toa que já vendeu mais de ‘um bilhão de cópias mundo afora. O fabricante Mattel apregoa a venda de três Barbies por segundo.
Isso antes do filme, que já é explosão de bilheteria.
Fui uma mãe jovem e politizada, que recusou à mãe da Agatha Luna uma boneca Barbie. Menos pela antipatia que desenvolvi pela pátria da personagem e pela peruagem do que pelo preço do brinquedo, que não cabia na minha realidade financeira.
Gabriela teve que se contentar com uma Suzi, a equivalente nacional. A irmã Carol, rainha das bonecas de todo tipo – garantidas principalmente pela madrinha Thaís e herdadas pela caçula -, não se lembra de a Barbie ter sido uma delas. Bárbara venceu minha resistência e ganhou uma: negra e roqueira, no Natal de 2001.
Na busca por informações sobre o nascimento, vida e obra de Barbie, topei com um artigo acadêmico assinado por duas gaúchas, uma psicopedagoga, outra doutora em Educação, publicado em 2013 na Fractal – Revista de Psicologia.
Escrevem Michelle Brugnera Cruz Cechin; Thaise da Silva, por exemplo, sobre a “diversidade étnica” da boneca e seu papel “pedagógico”:
“A Barbie cumpre um papel educativo. Envolta em um mundo de beleza, riqueza e aventura, que supostamente valoriza a diversidade e as diferenças, Barbie está imersa em uma pedagogia cultural, com o intuito de ensinar a supremacia de um tipo de corpo, raça e comportamento, além da produção de subjetividades infantis. A pedagogia analisada da boneca mostra que a pressão da publicidade impressa e difundida através de diferentes artefatos incorpora valores e modelos que são ubíquos na sociedade atual. O marketing por trás das Barbies étnicas, que pretendem representar minorias da sociedade, reforça as representações estereotipadas e a exclusão de determinados grupos. A Barbie personifica a fantasia de um mundo glamoroso, um ideal de beleza feminino, branco, magro e loiro.”
Acesse a íntegra de “Assim falava Barbie: uma boneca para todos e para ninguém”
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