O MST e a prática da agroecologia: direitos e cultura sociais transformam vidas

por Sulamita Esteliam

Toda quinta-feira, bem cedinho, visito a banca da Val, uma agricultora agroecológica que há anos comercializa seus produtos nas imediações do Parque Esportivo Santos Dumont, público, onde pratico aula de natação duas vezes por semana. Tornou-se passagem obrigatória.

Resolvi aprender nadar antes de completar os 70 anos, o que acontece no fim de dezembro. Pode ser que da empreitada não saia nenhum Cielo, mas ao menos confirmei que não tenho mais terror de água e, se resta algum medinho, já me defendo do risco de afogar.

Depois da piscina, antes de voltar para casa, ali pertinho, vou às compras: ovos de capoeira (caipira), inhame, macaxeira, couve, pimentão, acelga, tomate, cenoura, banana, banana da terra (comprida), salsa, cebolinha e que tais.

Tudo orgânico e a preços compatíveis com os produtos de cultivo tradicional (com pesticida) vendidos nos supermercados.

E com direito a uma boa conversa sobre comida saudável e pertencimento, autoestima e poder de fogo das mulheres trabalhadoras. Val é uma dessas mulheres raras, de energia intensa e cativante.

Toco no assunto a propósito, no Dia Nacional da Agroecologia, desde 2017 celebrado em  03 de outubro. Para ajudar a refletir sobre como esse sistema de produção se transformou numa alternativa viável e essencial na produção de alimentos.

E não apenas: tem sido fundamental na redução de impactos ao meio ambiente e na promoção de direitos e culturas sociais.

Questionar o machismo, a homofobia, o racismo, as desigualdades, as discriminações, etária inclusive, é um dos lemas da organização do trabalho e da produção agroecológicas.

Cristina Sturmer dos Santos, economista e agricultora militante do  MST – Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra, que destaca a agroecologia em seus assentamentos, faz essas e outras observações pertinentes:

“Ela (a agroecologia) nos faz repensar nossa relação com a natureza e a agricultura, mas também como nos relacionamos com outros seres humanos e animais. Isso nos encoraja a questionar e a buscar novas formas de organizar nossa sociedade.

cpi_mst - Foto MST-via Barão de Itararé
Fim patético da CPI do MST – Foto: divulgação MST

E por falar em MST, bem que tentaram reavivar a patacoada da tentativa de criminalização do MST. Foram desmoralizados. Após quatro meses e 10 dias de chanchada ao vivo e em cores, a CPI que se propôs a “investigar” as ações do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra foi encerrada da forma que começou: pateticamente exangue.

O relatório do ex-ministro passa-boiada, Ricardo Salles (PL-SP), sequer foi votado, porque havia o risco de ser derrotado; e a prorrogação não aconteceu.

E embora o presidente da comissão, tenente-coronel Zuco (Republicanos-RS), saia arrotando vantagens, o fato é que a bancada do agronegócio se expôs ao vexame de não conseguir cumprir a meta de fazer o serviço sujo ter resultado efetivo.

Quanto ao MST, continua do mesmo tamanho que entrou, assegura seu coordenador nacional, João Paulo Rodrigues. Apesar da brecada imposta nas atividades de ocupação, instrumento fundamental na luta pela reforma agrária, pela necessidade de respostas à CPI.

Em nota, o MST, resume seu ponto de vista sobre os propósitos e os resultados da comissão parlamentar de inquérito da Câmara dos Deputados:

“A CPI não evidenciou os reais problemas do campo, pelo contrário, foi mais um palanque político para a direita bolsonarista avançar no processo histórico de criminalização da luta em defesa da Reforma Agrária, buscando investigar as ocupações legítimas realizadas pelo MST ao longo deste ano.” (íntegra ao pé da postagem)

Sob esse aspecto, não há dúvida de que a comissão incomodou. Em entrevista ao Correio Braziliense, dia 02 deste mês, João Paulo deixou claro a posição do movimento sobre o ganha-e-perde provocado pelo palanque montado na Câmara dos Deputados:

“CPI é sempre ruim. Não existe CPI boa. Paralisou o governo, nos obrigou a nos mobilizarmos e suspendermos nossas atividades. Não falo de ocupações, porque isso é menor. Mas ter que ficar respondendo a uma CPI que nasceu com um relatório pronto, que não mostrou a que veio e que provocou uma confusão política no Congresso… Há quem ache que o MST saiu maior, engrandecido. Eu prefiro o MST do mesmo tamanho.”

A preocupação do movimento, agora, é com a lentidão do governo Lula em traduzir em ação a prioridade na reforma agrária. Outro ponto é a efetivação dos programas de aquisição de alimentos, com prioridade para a agricultura familiar agroecológica, conforme prometido.

Isso apesar de reconhecer os problemas causados pelo desmonte provocado pelo desgoverno anterior: “Estamos preocupados, sim, com o ritmo do governo. Não podemos terminar o ano com um saldo muito baixo para a base dos movimentos no campo”, afirma João Paulo na mesma entrevista.

Seu apelo, e torcida, é para que o Ministério da Fazenda e a Casa Civil recomponham, urgentemente, o orçamento do Incra de modo a que se possa avançar minimamente na reforma agrária ainda este ano.

Oremos.

Agroecologia - coletivo de comunicação MST
Agroecologia: presente e futuro também na conscientização sobre direitos sociais – Foto: Coletivo de Comunicação MST-PR

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Com:

MST

Nota do MST sobre a CPI

O balanço da CPI

Barão de Itararé

Correio Braziliense

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