Por Sulamita Esteliam

Minha tia, querida, a mais velha dentre todas as quatro irmãs, deu as mãos ao alvorecer e seguiu ao encontro das estrelas. O nome dela é Vitalina, de vitalidade. Teve e criou nove filhos, viu nascer e crescer dezenas de netos, em mais de 60 anos de casamento.
Viveu como Sol, distribuindo e contagiando energia, até que a luz cegou seus olhos e noite se fez em seu outrora fulgurante coração.
Levou um tempo para se acostumar à ideia de partir: O Pai Celestial, misericordioso, a recebeu nesta madrugada, em paz e com generosidade.
Faria, creio, 90 anos – ou seria 91? – no próximo 05 de dezembro: sagitariana da gôta. Chorou a morte do marido, de duas filhas, do pai, da mãe, de quatro irmãos e uma irmã – a que me gerou, penúltima dos oito que minha avó trouxe ao mundo pelo ventre, com as próprias mãos e com o auxílio, apenas, do marido. Tempos bicudos, de roça braba no sertão-cerrado mineiro.
Lá também viveu e pariu Vitalina, todos os seus rebentos – com auxílio da mãe, que virou parteira fazendo os próprios partos.
Um dia, em meados dos anos 60, ela e Geraldino, seu parceiro de toda vida, acharam que era hora de buscar rumo. Venderam a pequena propriedade na Pindaíbas, distrito de Jequitibá, e foram com sua tropa para São Paulo. Sem escala em Beagá, onde nunca haviam botado os pés.
Menina de 10 anos, me lembro muito bem, pois ajudei na mudança. Minha mãe e eu passamos mais de uma semana na roça, para despedir dos tempos felizes ali compartilhados, aproveitar o estoque de doces maravilhosos e carnes divinas, armazenadas em latões, e ajudar a embalar as tralhas.
Seguiram para Osasco, onde estava a minha vó e meus dois tios solteiros – um dos mais velhos havia se fixado na capital, há tempos; o primogênito já habitava estrelas há alguns anos. Em Osasco se estabeleceram, terminaram de criar os filhos, frutificaram.
Passei boa parte das férias de minha adolescência, inclusive alguns carnavais por lá. Sua casa tornou-se ancoradouro natural da familiarada que aportava na terra da garôa.
Na fase de recolhimento, estive com minha tia duas vezes, no último ano. Não era sombra da mulher que amei desde sempre, e que mais tarde aprendi a compreender. Minha reputação de palhaça, então, ainda produziu efeitos nela, mas com algum esforço. Já estava na contagem regressiva.
Boa viagem e bom pouso, minha tia. Nós a guardamos no coração.
Que palavras de despedida emocionantes!
Beijo!
Linda homenagem, Sula!
Que Deus ilumine a tia Vitalina!