KIT Homofobia: católicas vão direto ao ponto

por Sulamita Esteliam
foto: vilamulher.terra

Por importante, retomo o assunto KIT Homofobia, a partir de Carta Aberta do movimento Católicas pelo Direito de Decidir à presidenta Dilma Roussef, que transcrevo mais abaixo.

Antes, porém, me permitam externar algumas elucubrações que experimento há alguns dias. Desde que ouvi da boca do ministro da Educação, Paulo Hadadd, em coletiva de imprensa,  que, por ordem da presidenta Dilma Roussef, doravante, toda e qualquer campanha educativa do governo, sobretudo no que se refere a “costumes” será submetida a um comitê específico dentro da Secom – Secretaria de Comunicação – aqui, neste blogue.

Confesso que me senti, muito, incomodada. Não pelo “cuidado”, obviamente. Questões delicadas, como direitos humanos, saúde e educação, merecem ser bem cuidadas (o vídeo Papai tem namorado, que postei dias atrás, é exemplo disso).

Ademais, se duas ou três cabeças pensam melhor do que uma, por conseguinte ou em tese, dois ou mais comitês avaliam melhor do que um. E a área de comunicação pode ter mais acuidade sobre o impacto que esta ou aquela campanha terá junto ao público, do que, eventualmente, o comitê de publicação do MEC ou de outro ministério. Pelo menos é o que se espera.

Estranho é imaginar, por outro lado, que algo desta importância iria para as escolas sem a devida aprovação das instâncias adequadas, e sem que a Presidência da República tomasse conhecimento do conteúdo. Ainda assim, mesmo convicta de que não atendem ao propósito da campanha, seria desejável que a presidenta visse todos os vídeos.

O que meus “perplexos botões” – como diria Mino Carta, tarimbado e provecto jornalista, diretor da revita Carta Capital – questionaram foi o uso da palavra “costumes”. Como assim, “costumes”!?. Veio-me à memória expressão muito usada por minhas avós e minhas tias mais velhas: fulano ou beltrana “tem o mau costume de…”

“Costume”, ensinam os bons dicionários, “é a prática ou comportamento habitual”, como ler antes de dormir, comer muito ou pouco, fazer caminhada ou correr pela manhã, beber água em jejum, ir ao cinema uma vez por semana – ou falar mal dos outros, pegar coisas alheias, falar com a boca cheia, não saber ouvir… Coisas do tipo, às quais, comumente, se referiam minhas antepassadas …

Ora, ora, ora… Se o governo, ao se referir a “costumes”, quer falar do preconceito, conservadorismo e da discriminação que vicejam na sociedade brasileira e alimentam a homofobia – inclusive nos setores ditos de esquerda – , a palavra é perfeita.

Entretanto, temo que não é exatamente esse o sentido que exalou da recomendação presidencial – dadas as circunstâncias e as condições gerais de temperatura e pressão.

Dei-me o benefício da dúvida, muitas vezes melhor conselheira do que as certezas: “muita calma nessa hora. Pode ser, apenas, questão da palavra certa no contexto errado”. A leitura da carta referenciada clareou as ideias. As mulheres Católicas pelo Direito de Decidir vão direto ao ponto. Sem trocadilhos.

****************************************

Segue-se a carta:

Estado laico. O que é isso, companheira?

Carta aberta de Católicas pelo Direito de Decidir à Presidenta Dilma Rousseff sobre a polêmica criada em torno do kit anti-homofobia

Presidenta Dilma,

Estamos estarrecidas! A polêmica criada em torno do kit anti-homofobia e o recuo do governo federal ante as pressões vindas de alguns dos setores mais conservadores e preconceituosos da sociedade nos deixou perplexas. E temerosas do que se anuncia para uma sociedade que convive com os maiores índices de violência e crimes de morte cometidos contra pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e intersex (LGBTTI) do mundo. Temos medo de um retorno às trevas, senhora Presidenta, e não sem motivos.

A vitoriosa pressão contra o kit anti-homofobia da bancada religiosa, majoritariamente composta por conservadores evangélicos e católicos, em um momento em que denúncias de corrupção atingem o governo, traz de volta ao cenário político a velha prática de se fazer uso de direitos civis como moeda de troca. Trocam-se, mais uma vez, votos preciosos e silêncio conivente pelo apoio ao preconceito homofóbico que retira de quase vinte milhões de brasileiros e brasileiras o direito a uma vida sem violência e sem ódio. A dignidade e a vida de pessoas LGBTTI estão valendo muito pouco nesse mercado escuso da política do toma-lá-dá-cá, senhora Presidenta! E o compromisso com a verdade parece que nada vale também.

Presidenta, convenhamos, a senhora sabe que o kit anti-homofobia é um material educativo, que não tem por finalidade induzir jovens a se tornarem homossexuais, até mesmo porque isso é impossível, como tod@s sabemos. Não se induz ninguém a sentir amor ou desejo por outrem.   Mas respeito, sim. E ódio também, senhora Presidenta… ódio é possível ensinar! Poderíamos olhar para trás e ver o ódio que a propaganda nazista induziu contra judeus, ciganos, homossexuais. Porém, infelizmente, não precisamos ir tão atrás no tempo.  Temos terríveis exemplos recentes de agressões covardes e aviltantes a pessoas LGBTTI e o enorme índice de violência contra as mulheres acontecendo aqui mesmo,  em nosso próprio país.

Quando a senhora afirma, legitimando os conservadores homofóbicos, que é contra a propaganda da “opção” sexual, faz parecer que alguém pode, de fato, “optar” por sentir esse ou aquele desejo. Amor, desejo, afeto não são opcionais, ninguém escolhe por quem se apaixona, senhora Presidenta! Mas se escolhe ferir, matar, humilhar.

Quando a senhora diz que todo material do governo que se refira a “costumes” deve passar por uma consulta a “setores interessados” da sociedade antes de serem publicados ou divulgados, como estampam hoje os jornais, ficamos ainda mais perplexas. De que “costumes” estamos falando, senhora Presidenta? E de que “setores interessados”? Não se trata de “costumes”, mas de direitos de cidadania que estão sendo violados recorrentemente em nosso país e em nome de uma moral religiosa conservadora, patriarcal, misógina, racista e homofóbica.  Trata-se de direitos humanos que são negados a milhões de pessoas em nosso país!

E “setores interessados”, nesse caso, deveria significar a população LGBTTI e todas as forças democráticas do nosso país que não querem  ter um governo preso a alianças políticas duvidosas, ainda mais com setores “interessados” em retrocessos políticos quanto aos direitos humanos da população brasileira.

O país que a senhora governa ratificou resoluções da ONU tomadas em grandes conferências internacionais, em Cairo (1994) e em Beijing (1995), comprometendo-se a trabalhar para que os direitos sexuais e os direitos reprodutivos sejam reconhecidos como direitos humanos. No entanto, até hoje pessoas LGBTTI morrem por não terem seus direitos garantidos. Mulheres morrem pela criminalização do aborto e pela violência de gênero.

Comemoramos quando uma mulher foi eleita ao cargo máximo de nosso país. Ainda mais porque, como boa parcela da sociedade, levantamos nossa voz contra o aviltamento do Estado laico, ao termos um uso perverso da religião nas campanhas eleitorais de 2010 para desqualificar uma mulher competente e com compromisso com a dignidade humana. Antes ainda, levantamos nossa voz a favor do III PNDH, seguras de que deveria ser um instrumento de aprofundamento do respeito aos direitos humanos em nosso país. Agora não temos o que comemorar, senhora Presidenta! Parece que o medo está, de novo, vencendo a verdade. E a dignidade.

Infelizmente, temos de – mais uma vez! – vir a público exigir que os princípios do Estado laico sejam cumpridos. Como a senhora bem sabe, a laicidade é essencial à democracia e não se dá pela simples imposição da vontade da maioria, pois isso resulta em desrespeito aos direitos humanos das minorias, sejam elas religiosas, étnico-raciais, de gênero ou orientação sexual. Não existe democracia se não forem respeitados os direitos humanos de todas as pessoas.  Impor a crença religiosa de uma parcela da população ao conjunto da sociedade coloca em risco a própria democracia, já que os direitos humanos de diversos segmentos sociais estão sendo violados.  Portanto, senhora Presidenta, não seja conivente! Não permita que alguns setores da sociedade façam do Estado laico um conceito vazio, um ideal abstrato.

Como Católicas pelo Direito de Decidir, repudiamos o uso das religiões neste contexto de manipulação política e afirmamos nosso compromisso com a laicidade do Estado, com a dignidade humana e nosso apoio ao uso do kit educativo pelo fim da homofobia nas escolas brasileiras.

CATÓLICAS PELO DIREITO DE DECIDIR

SedeDeQuê

Contato: cddbr@uol.com.br

3 comentários

  1. Enquanto política andar de mãos dadas com corrupção, o Brasil não terá governabilidade. Enquanto o Palácio do Planalto viver debaixo da artilharia do fogo amigo, o governo vai ter de negociar com a base aliada. Isso porque eles são aliados.
    Palocci vendeu o governo com essa história de consultoria. No bolão da frigideira, a aposta que vai pagar menos dá um mês de sobrevivência para o super ministro. Se ele cair, Lula terá de voltar para Brasília. O governo Dilma não se sustentará sozinho. É o que dizem os amigos, dirá os inimigos!

  2. Falta de vergonha desse governo fazer um kit desse, desde quando crianças como colocam nas fotos se beijando, sabem que isso significa ser gay, não sabem nada de escolas, de crianças, e querem penetrar com suas ideologias, sou professora e na minha sala mando eu!

    1. Vc não tem com o que se preocupar. O KIT foi abortado, e ao que parece a campanha de esclarecimento para o combate ao preconceito tbm. O que é uma pena, pois é necessária, e, ao meu ver, deve ser ampla geral e irrestrita, não apenas para alunos.

Deixe uma resposta