por Sulamita Esteliam
Tragédias, mesmo as climáticas, não vêm desacompanhadas; são consequências e, portanto, antecedidas de causas, não raro provocadas pela ganância, pelo descaso, por irresponsabilidades, bestialidades e/ou relações tóxicas.
O ser humano, sempre digo, revela a natureza de sua humanidade quanto mais se aproxima da animalidade. A razão, que o diferencia, só traz benefício quando acompanhada de sensibilidade – Jane Austen que me perdoe o trocadilho.
Está aí o mau uso das redes sociais para não nos deixar ilusões.
Falo para além da contaminação propositada pela manipulação por motivos outros, torpes quase sempre. Falo de inteligência emocional, rara e pouco acessada.
E que corre o risco de entrar em desuso pelo deslumbre em progressão pela inteligência artificial, a coqueluche tecnológica desses tempos. Bem sei que é inexorável, mas que dá arrepios isso dá…
Só que a ignorância vem de antanho, está no cerne da evolução humana, e não é superada pela modernidade, tenha ela a denominação que tiver.
A morte de 14 pessoas soterradas pelos escombros de um prédio em condomínio residencial em Paulista, área metropolitana do Recife, por exemplo, entra na categoria de tragédia anunciada.
Interditado há anos, por risco de desabamento, nenhuma providência foi tomada para recuperar a estrutura ou para impedir que voltasse a ser ocupado. Há dezenas de prédios semelhantes sob o mesmo risco: no próprio Residencial Beira Mar, nome lúdico para destino previsível.
Euzinha, na minha ignorância técnica, já preguei a demolição pura e simples. Solução cirúrgica que evitaria o sacrifício de vidas, ao menos.
Parece lógico, se fosse um ou outro prédio, mas é bem assim. Sobretudo em Pernambuco, onde os chamados “prédios-caixão” , herança do programa habitacional da ditadura civil-militar, somam 5,6 mil unidades, que abrigam 106 mil pessoas.
Isso porque a técnica está proibida desde 2005, pela sua fragilidade. A memória tende a ser curta, inversamente proporcional aos interesses especulativos e o descompromisso, a irresponsabilidade social.
Entretanto, leio no Marco Zero Conteúdo, os dados são irrecorríveis: de 1977 até o ano corrente, foram 17 desabamentos e 54 mortes, só na região metropolitana da capital.
Mesmo assim, só no Grande Recife, há coisa de 2,5 mil edifícios neste modelo classificados pelo ITEP – Instituto de Tecnologia de Pernambuco como inabitáveis.
O portal de Jornalismo alternativo traz entrevista com o engenheiro pernambucano Carlos Wellington Azevedo de Pires Sobrinho, estudioso em técnicas construtivas. Quem assina é a jornalista Maria Carolina Santos. Deixo o link ao pé da postagem.
É ele quem diz ser recomendável pensar nas consequências ambientais da demolição, que “agride o meio ambiente” e geraria toneladas de entulhos. E mais problemas fundiários. com a amplificação de terrenos vagos. E problemas sociais, com o aumento exponencial de pessoas sem-teto.
O caminho da solução é a recuperação estrutural dos imóveis: “Todo prédio em pé, você consegue recuperar”. Há estudos desenvolvidos pelo ITEP, e aplicados em prédios do tipo, que o comprovam. O custo fica de R$ 25 mil a R$ 35 mil, a preços de hoje.
Ocupados normalmente por pessoas de baixa renda, Carlos Alberto alerta que o governo Lula já aponta o meio de bancar o investimento: o programa Minha Casa, Minha Vida, reeditado nesta 3ª gestão, e lançado dia 13 de julho, abre a possibilidade de financiamento para reforma.
E o que há de novo? O engenheiro responde:
“No inciso II do artigo 2° está a possibilidade para famílias de baixa renda de “promover a melhoria das moradias existentes para reparar as inadequações habitacionais”. Além disso, permite que entidades, como prefeituras e condomínios, conduzam projetos para este fim, sendo desta forma, ao meu ver, a solução política, social e econômica para as famílias que habitam os prédios Caixão. (…) O que precisa é que entidades, talvez as prefeituras, talvez o governo do estado, se coloquem à frente de projetos para cada condomínio, usando suas ações sociais e jurídicas para promover, para enquadrar essas pessoas no Minha Casa, Minha Vida. Porque aí se mantem os prédios com seus proprietários, sem interdições.”
Com a palavra, os dono do poder político local. O Ministério Público, certamente, pode dar uma ajudinha, cobrando as devidas responsabilidades.
Acesse a íntegra da entrevista na publicação de origem.
Fotos capturadas no Marco Zero Conteúdo – Abre: Arnaldo Sete; paredinhas: reprodução ITEP
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