Marcelo Mário de Melo escreve: ‘O nó cego da esquerda brasileira’

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por Sulamita Esteliam

Quando o poeta escreve, traduz o que seus olhos veem, seu coração sente e sua cabeça processa.  Com ou sem rima, a escrita poética não foge à crítica política e social, deixa-se impregnar – ou seria desejável. 

É assim, desde a Grécia Antiga, quando os aedos cantavam as proezas de seus cidadãos, epopeias, a exemplo Homero com a Ilíada e a Odisseia, poemas a ele atribuídos.

Versos e canções que narram os feitos e, por assim dizer, os esfrega na cara do adversário ou do inimigo. Mira como somos grandes, poderosos, imbatíveis. Geopolítica à moda antiga.

Pois aqui, no caso, do meu amigo  pernambucano, Marcelo Mário de Melo, jornalista e escritor, em frenética produção. Ele faz do poetar seu cotidiano e, destarte, analisa o tamanho do calo que tem infernizado nossa vida militante, com mais ou menos rubor e dor.

Euzinha assino embaixo, por isso compartilho, liberada pelo autor:

O NÓ CEGO DA ESQUERDA BRASILEIRA

por Marcelo Mário de Melo*

O principal problema e a maior lacuna das forças de esquerda brasileiras é a falta de inserção nas comunidades, nos bairros, nos locais de moradia. Reduzindo sua atuação às entidades sindicais, associações, movimentos, debates eventuais, frente parlamentar e redes sociais.

Com as excelentes exceções das grandes manifestações de rua, que mostram a sua força, mas são muito específicas e espaçadas, pela sua própria natureza.

Assistimos, periodicamente, à direita dar goleada nas eleições dos Conselhos Tutelares, partindo daí para alargar as bancadas de vereadores, deputados estaduais, federais e senadores, o que resulta, a cada eleição, num Congresso sempre mais conservador, com o Centrão cada vez mais poderoso.

Li os programas de TODOS os partidos de esquerda do Brasil, ditos de alinhamento socialista e marxista. E NENHUM DELES apresenta uma proposta a longo prazo, que vá além da bienal eleitoral, voltada para enfrentar este problema, que é a questão decisiva. Uma proposta de ação de formiguinha, de quatro a cinco anos, que terá os seus naturais erros e acertos.

Este é o lamentável denominador comum da esquerda brasileira, de A a Z. A partir daí, sem nenhuma dúvida, um futuro Governo Lula será pior do que o atual. Porque teremos um Congresso mais à direita. E será o último governo de Lula. E quanto à sua sucessão, que se façam as apostas.

E um dia, quando Lula morrer – está fazendo 80 anos – a banda puramente lulista do PT se dispensará. E aquelas forças políticas que vivem políticamente penduradas nas barba de Lula, e não apoiadas na rede da organização popular, sofrerão um grande impacto.

Por todas estas razões, considero a esquerda atual uma esquerda TERMINAL, porque sem presença organizada nos bairros e sem nenhum plano de ação a longo prazo e prioritário, neste sentido. Uma esquerda para a qual ” “trabalho de base” virou um chavão inútil, uma conversa mole que marca presença logo depois que sofremos uma grande derrota e, depois, é esquecida.

Lamentavelmente, quem faz trabalho de base nos locais de moradia são os cabos eleitorais tradicionais, as milícias, os bandidos e os pastores. Eles estão lá, vivem lá, semeiam lá e colhem lá os seus frutos políticos. Sabendo-se que, em agricultura e em política, só se colhe o que se planta e cultiva.

Aí está o nó cego que desafia a esquerda
brasileira.E ele cada vez mais se aperta.

Certo de que

“povo sem militante
não dá um passo adiante
e militante sem povo
não sai da casca do ovo
não cria nada de novo”

Lembrando que o ninho desses ovos é a presença nas comunidades.

O realismo político dói. Mas no
meu caso, agora com 81 anos e militante comunista desde os 17 (1961); atuando na fundação do PCBR-1; depois de dois anos como militante clandestino, passando a preso político de 1971 a 1979; fundador do PT em Pernambuco e assistindo à sua passagem à condição de partido puramente eleitoral; atravessando os governos de Sarney, Collor e FHC; o impedimento de Dilma e a era Temer; a eleição de Bolsonaro e o avanço do neifascismo no mundo, já estou de casca grossa e acostumado a calcular a longo prazo.

Com

“Poesia
prazer
amizade
humor
na conjuntura
que for”

E sendo um grande respeitador
das leis do trânsito, seguindo o Detran:

SEMPRE À ESQUERDA:
NÃO ULTRAPASSE
PELA DIREITA


.. Marcelo Mário de Melo* é jornalista, poeta-escritor e militante, com DNA pernambucano

 

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