por Sulamita Esteliam
Havia programado escrever sobre Literatura esta semana, o que tem me movido ultimamente. Todavia, é difícil literar em cima de cadáveres ainda quentes e desmantelos autoritários.
Quanto mais quando produzidos deliberadamente pelo Estado, no caso do Rio de Janeiro: 119 mortos, incluindo quatro policiais, e contando…
É a maior e pior chacina que se tem notícias na cidade em todos os tempos, obviamente que com repercussão internacional.
O Rio de Janeiro merece estudo de caso. Uma cidade que, no afã de ser feliz, acaba por conhecer o avesso da barbárie, de um lado e de outro, desde sempre. Pior, não aprende a escolher melhor seus governantes, que a mantêm na berlinda.
Na terça, assistia ao noticiário com o maridão, em crescente agonia. Questão de minutos: o número de mortos ia crescendo como uma pilha de sacos descarregados de alguma entrega de emergência.
Só que a pilha era de corpos humanos e não era imaginária: 20 mortos, dizia a legenda, 22 mortos, 24 mortos, 30 mortos… 64 no fim do dia. Números oficiais. Haveria muitos mais.
Nessa conta, não entravam as dezenas de cadáveres que o povo, na manhã seguinte à operação, retirou da mata no entorno do Complexo da Penha, Zona Norte do Rio, e enfileirou na praça.
Imagem dantesca.
Em coletiva de imprensa, o governador dizia que eram 58 mortos. Avaliou que a operação de contenção “foi um sucesso e as únicas vítimas foram os quatro policiais mortos”.
Claro que as autoridades não reconhecem que houve massacre, como denunciam os movimentos sociais e ativistas de direitos humanos, que, aliás, pedem a responsabilização do governador.

Ora, até prenderam 113 homens, 33 de outros estados, e recolheram para unidades socioeducativas 10 adolescentes, jactam-se. Admitem porém, que é possível que se vá colher mais defuntos na mata.
Todos bandidos de facções como o Comando Vermelho, como querem fazer crer o gestor do Rio de Janeiro e seu secretário de Segurança Pública?
Pode apostar que, ao fim e ao cabo, se constatará que boa parte só teve a infelicidade de nascer pobre e preto numa cidade de encantos mil, onde inexiste fogo amigo.
Sim, há os soldados do tráfico, paga-paus do crime organizado, não digo que são coitadinhos. Os chefes habitam palácios à beira-mar. Lá a polícia não vai, assim como o Estado chega nas comunidades, quase sempre, com o pé na porta e fuzil na mão.
É o que denuncia documento divulgado pela Federação de Favelas do Rio de Janeiro:
“Os relatos de horror que emergiram dessas comunidades – com cenas de guerra, execuções sumárias, violação de domicílios, impedimento de socorro a feridos e a total suspensão dos direitos mais básicos – não são incidentes isolados. São a face mais crua de uma política de segurança pública falida e genocida, que há décadas trata as favelas e seus moradores como territórios inimigos e cidadãos de segunda categoria”
A operação foi um desastre humanitário, mais um no Rio de Janeiro.
O governador Cláudio Castro (União Brasil) quis vendê-la como planejada e executada, à revelia do governo federal, que teria-lhe negado ajuda.
Mente, descaradamente, tão pusilânime quanto covarde e incompetente.
Afronta a Constituição e a Suprema Corte, que definiu procedimentos para operações policiais no Rio de Janeiro – a chamada ADPF das Favelas *, em vigor.
Não menos importante: se opõe à tentativa do governo de aprovar a PEC da Segurança Pública, que unificaria forças e ações no combate ao crime organizado. Aliás, relatado pelo deputado pernambucano Mendonça Filho (União Brasil), contrário à proposta.
Não estão sozinhos, Cláudio Castro e correligionários: outros desgovernadores, como Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais e Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São Paulo, campeões de desastres, entram no coro.
A extrema-direita está em ordem unida regogizante para apregoar negligência do governo federal. Empenha-se em construir e vender narrativa falsa que possa destruir os estragos que a performance internacional de Lula da Silva tem provocado em suas hostes.
O Congresso se apressa em abrir mais uma CPI, desta feita para investigar o crime organizado. E o governo federal põe o time em campo para buscar saídas que possam contemplar paladares e necessidades.
Há quem, a exemplo do colega Luís Nassif, do Jornal GGN, enxergue conspiração internacional. Com vistas a favorecer a intervenção militar dos Estados Unidos, sob o manto do “combate ao terrorismo” .
Clique para ler o artigo, ao pé da postagem. Incluo outros, com ângulos que ajudam a compreender o que está em jogo.
Armação ilimitada:
Chacina no Rio expõe a farsa de Cláudio Castro – por Luís Nassif/Jornal GGN
A fake news de Cláudio Castro sobre a “falta de ajuda federal” – por Miguel do Rosário/O Cafezinho
ADPF das Favelas: o que o STF decidiu sobre as operações policiais no Rio – G1
Governo do Rio estima 119 mortes; população retira corpos da mata – Agência Brasil
Ativistas denunciam massacre – Agência Brasil
Em uma das imagens vi uma faixa: Cláudio Castro, assassino, terrorista. É o que ele é. Ele e sua trupe.
O povo sabe das coisas. E há de dar chance à esperança da próxima vez.
Vergonha.
Enjoado, enojado.
Vergonha.
Enojado, enjoado!
Terrível, Gustavo.