Uma tarde em Beagá

por Sulamita Esteliam
A Raul Soares passou por reforma e voltou a ser frequentada - Foto: Nossa Área

Por pura necessidade, tipo inadiável, fiz um périplo por Beagá, hoje (quarta) à tarde,  a partir da  segunda metade da Zona Oeste – de ônibus e a pé. Tudo de salto, e humor em dia, graças. Muito bom reconhecer a terrinha com os pés no chão.

De frente ao Instituto São Rafael – para deficientes visuais -, no Barro Preto, desci de um buzu, que havia esperado por vinte minutos, no Jardim América. Tempo suficiente para trocar ideias com uma jovem mãe, que trabalha como cobradora na linha.

Ela puxa a conversa, e eu dou trela.

Manifesta três preocupações básicas, pela ordem dos comentários: os cabelos brancos que lhe invadem as sombracelhas, aos 37 anos; a auto-afirmação da mãe, como mulher, aos 72, face o desdém dos filhos e filhas, seus irmãos e irmãs; o filho de 20 anos, primogênito de um casal, que acabara de comunicar a demissão do terceiro emprego, em cerca de um ano: “Ele diz que não, mas  algo está errado …” Faro de mãe-filha-mulher, antenada.

No Jardim América mora, cada qual em seu cantinho, um casal da minha generosa prole, meu neto e sua linda mãe. Em minhas estadas por aqui, é na casa deles onde monto acampamento nos últimos tempos. Ainda que me divida entre a fartura de parentes e amigos, todos muito queridos, dispostos a me aturar.

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Parece que a cidade se abre para receber quem dela faz conta, e questão de reproduzi-la a olhos e corações estrangeiros. A Beagá, a cordial mas nem tanto, sempre me brinda com suas manhas e idiossincrasias – para o bem e para o mal.

Hoje (quarta), por exemplo, pude ver o quanto nossa segurança é quase questão de fé. Assisti vigilantes assustados com identificação de homem armado – segundo eles, até os dentes – rondando uma agência do Banco do Brasil; a mesma onde eu tinha assuntos a tratar, e no momento em que adentrei ao recinto.

“Você não viu? Tinha duas armas na cintura e outra no peito, por dentro da camisa…?”, perguntou um ao outro. Saí, voltei e a apreensão permanecia, apesar da viatura policial que, em cerca de cinco minutos estava a postos. Nada além disso, entretanto.

No banco, encontro gente amiga, que pulou do comercial de jornal, onde já militei, para o atendimento bancário – por concurso. Identifica-me pelo uso do chapéu, hábito que cultivo desde os tempos de intrépida repórter nestas Geraes – e que ela também mantinha.

Reencontro gente querida, sobrinha de coração e ex-cunhado, filha e pai advogados, no saguão do Fórum Laifaiete, no Palácio Milton Campos, onde acabavam de partilhar uma audiência. O prédio fica ao lado da Igreja de São Sebastião, de cujo abrigo para freis idosos já surripiei – e devolvi – foto para uma reportagem sobre freira milagrosa na clausura do Mosteiro de Macaúbas, em Santa Luzia.

Na igreja de São Sebastião se casou minha irmã caçula, com o terceiro noivo. Num dia em que São Pedro fez as honras da casa: despejou água para  nivelar o leito do Arrudas com o Córrego do Leitão.

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Segundo a Astra, associação que reúne policiais e bombeiros, 3 mil participaram da caminhada, que começo no Clube dos Oficiais da PM, no Calafate e terminou na Praça da Assembleia Legislativa - Foto: Astra

Surfo pela Augusto de Lima até o Mercado Central. Pelo caminho, uma substanciosa passeata de policiais militares, bombeiros incluídos, atravanca o trânsito e atiça a curiosidade: “Aahahah, a polícia vai parar…/polícia, unida, jamais será vencida…/aahahah, a polícia vai parar…” Ai , meu Deus…

Viva a democracia!

Na travessia da Praça Raul Soares, coração da Belo Horizonte traçada na prancheta – há coisa de 113 anos -, meus ouvidos, tuberculosos, captam as impressões de duas mineirinhas, que retornam do trabalho. O ribombar do carro-de-som causa estraheza: “Quatro mil…!?”, é isso mesmo!?”

Não resisto, confirmo a reivindicação do piso e questiono: “Acham muito, para quem expõe o pescoço?” E recebo de volta, um “é, não é muito mesmo não…”.

Soube, depois, que houve confusão e pancadaria no encerramento da passeata, na Assembleia Legislativa: manifestantes PMs x polícia legislativa.  Clique para ver o vídeo em Papo de PM

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Na calçada central em frente ao mercado, sou cantada em cinco reais – “para comprar um rodo”, pela lavadora de parabrisas no sinal. Antes, me joga um elogio “pela elegância”. Junta uma demonstração do equipamento que, então, fazia uso para o ofício: uma pá de lixo – de latão, seguramente – envolvida numa flanela de cor inidentificável. Leva dois paus, pela criatividade.

Sigo pela Augusto de Lima, passando reto pelo mercado. Mas resolvo entrar na galeria, logo após o Minascentro – para garantir uma parafusozinho no meu óculos solar. A conversa com o vendedor me dá a desculpa certa para ceder à tentação. Retorno um quarto de quadra e entro no paraíso: lá encontraria, sim, boa parte dos meios imprescindíveis para cumprir parte das minhas tarefas do dia: um caixa 24 horas, daqueles múltiplos, e uma lotérica.

Não que eu precisasse de cúmplice. A gelada e o sanduíche de pernil, por óbvio, vieram como acréscimo – prêmio e consequência.

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Deixo o mercado por volta das sete da noite, pela porta da Curitiba com Augusto de Lima, única aberta uma hora após encerrado o expediente. Sigo rumo à São Paulo e, ladeira acima, ganho o Shopping Cidade. Faço o que tenho que fazer. Retomo Tupis-São Paulo-Tamoios-Amazonas para pegar o buzu de volta pro Jardim América.

O centrão de Belô é o mapa do Brasil, de Sul a Norte, de Leste a Oeste. Miolo de um tabuleiro recortado, nas transversais, por nações indígenas, de nossas origens; praças, muitas praças, e avenidas compõem o xadrez que, ademais, não foge à regra do culto a políticos e personalidades de antanho – no espaço, tempo e traço.

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