Amanda Gurgel: Dignidade e consciência-cidadã

por Sulamita Esteliam

Transcrevo, do sítio do Centro de Mídia Barão de Itararé, postagem do blogue Observadores Sociais, de Ribeirão das Neves/MG, município da Grande Beagá. Trata-se da carta de autoria da professora Amanda Gurgel, na qual recusa o prêmio Educador de Valor, concedido pela associação PNBE – Pensamento Nacional de Bases Empresariais.

Amanda se notabilizou na Rede pelo discurso indignado contra salário e condições de trabalho dos professores públicos, na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, em maio último.

O vídeo, postado no Youtube, bombou em todas as redes sociais. A ponto de surgir grupo no Facebook que lança a moça, de fala invejavelmente articulada, para prefeita de Natal -também aqui, neste blogue.

A atual prefeita, Micarla (PV), por outro lado, também é famosa na blogosfera, mas por motivo diverso, embora conectado com a educação: vem sendo alvo de protestos estudantis, convocados a partir das redes sociais. O #ForaMicarla mereceu reportagem, inclusive, na revista CartaCapital, recentemente, sob o título A Primavera Potiguar.

O discurso da professora, assim como a carta,mostram que dignidade e consciência-cidadã não têm preço.

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Vamos ao texto, que fala por si:

6 de julho de 2011

Carta de recusa da professora Amanda Gurgel ao 19º PNBE

Natal, 2 de julho de 2011Prezado júri do 19º Prêmio PNBE,

Recebi comunicado notificando que este júri decidiu conferir-me o prêmio de 2011 na categoria Educador de Valor, “pela relevante posição a favor da dignidade humana e o amor a educação”. A premiação é importante reconhecimento do movimento reivindicativo dos professores, de seu papel central no processo educativo e na vida de nosso país. A dramática situação na qual se encontra hoje a escola brasileira tem acarretado uma inédita desvalorização do trabalho docente. Os salários aviltantes, as péssimas condições de trabalho, as absurdas exigências por parte das secretarias e do Ministério da Educação fazem com que seja cada vez maior o número de professores talentosos que após um curto e angustiante período de exercício da docência exonera-se em busca de melhores condições de vida e trabalho.

Embora exista desde 1994 esta é a primeira vez que esse prêmio é destinado a uma professora comprometida com o movimento reivindicativo de sua categoria. Evidenciando suas prioridades, esse mesmo prêmio foi antes de mim destinado à Fundação Bradesco, à Fundação Victor Civita (editora Abril), ao Canal Futura (mantido pela Rede Globo) e a empresários da educação. Em categorias diferentes também foram agraciadas com ele corporações como Banco Itaú, Embraer, Natura Cosméticos, McDonald’s, Brasil Telecon e Casas Bahia, bem como a políticos tradicionais como Fernando Henrique Cardoso, Pedro Simon, Gabriel Chalita e Marina Silva.

A minha luta é muito diferente dessas instituições, empresas e personalidades. Minha luta é igual a de milhares de professores da rede pública. É um combate pelo ensino público, gratuito e de qualidade, pela valorização do trabalho docente e para que 10% do Produto Interno Bruto seja destinado imediatamente para a educação. Os pressupostos dessa luta são diametralmente diferentes daqueles que norteiam o PNBE. Entidade empresarial fundada no final da década de 1980, esta manteve sempre seu compromisso com a economia de mercado. Assim como o movimento dos professores sou contrária à mercantilização do ensino e ao modelo empreendedorista defendido pelo PNBE. A educação não é uma mercadoria, mas um direito inalienável de todo ser humano. Ela não é uma atividade que possa ser gerenciada por meio de um modelo empresarial, mas um bem público que deve ser administrado de modo eficiente e sem perder de vista sua finalidade.

Oponho-me à privatização da educação, às parcerias empresa-escola e às chamadas “organizações da sociedade civil de interesse público” (Oscips), utilizadas para desobrigar o Estado de seu dever para com o ensino público. Defendo que 10% do PIB seja destinado exclusivamente para instituições educacionais estatais e gratuitas. Não quero que nenhum centavo seja dirigido para organizações que se autodenominam amigas ou parceiras da escola, mas que encaram estas apenas como uma oportunidade de marketing ou, simplesmente, de negócios e desoneração fiscal.

Por essa razão, não posso aceitar esse Prêmio. Aceitá-lo significaria renunciar a tudo por que tenho lutado desde 2001, quando ingressei em uma Universidade pública, que era gradativamente privatizada, muito embora somente dez anos depois, por força da internet, a minha voz tenha sido ouvida, ecoando a voz de milhões de trabalhadores e estudantes do Brasil inteiro que hoje compartilham comigo suas angústias históricas. Prefiro, então, recusá-lo e ficar com meus ideais, ao lado de meus companheiros e longe dos empresários da educação.

Saudações,

Professora Amanda Gurgel

Fonte:  Blog da Amanda

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