por Sulamita Esteliam
Indignidade é o nome para o que aconteceu com as famílias da Comunidade Oliveira, no Pina, no último dia 06. E que continua a acontecer, porque delas foi retirado o teto, o trabalho, a convivência com os vizinhos, o direito de sonhar com isonomia de direitos.
Indignidade travestida de Justiça – do patrimônio sobre a vida das pessoas; com o amparo do Estado, que devia protegê-las – tão cidadãs quanto aquelas que reivindicam o direito de destruir o que essa pobre gente construiu com sangue e suor, anos a fio.
Acabo de passar pelo local, próximo ao antigo Colégio Brasil, hoje uma escola pública, no comecinho de Boa Viagem. Voltava do Centro do Recife. Vinha para casa com o coração apertado, tentando identificar onde teria se dado o despejo, e o que é feito das famílias. Aí, o trânsito enganchou, por conta da movimentação dos desalojados, da imprensa e da polícia, que continuam no local. No lugar onde havia casinhas, restam os escombros.
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Mesmo atabalhoada, em meio a fortes e recentes emoções, e compromissos, não poderia deixar de tocar em desmantelo desta monta. Mas este blogue voltará ao assunto.
Enquanto isso, assistam ao vídeo da reportagem a TV Jornal, publicada NE10, sítio do Sistema Jornal do Commercio, e que capturei no Youtube. É de ferver o sangue e cortar o coração.
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Transcrevo, ainda, texto comovente da querida amiga e colega de trabalho, a jornalista,atriz e contadora de histórias, Fabiana Coelho, que capturei em seu blogue Palavras- Pontes. Indignação também é poesia.
Meu tempo não é este!
por Fabiana Coelho – publicada em 07/11/2012
Assisti a entrevista de Mia Couto no Roda Viva.
Disse ele: “Há vários Moçambiques dentro de Moçambique”.
Também nós temos vários Brasis.
Vários espaços e tempos diferentes que convivem em um mesmo território.
Mas há um tempo que tenta engolir os demais.
Um tempo que tudo atropela, que tudo devora, um tempo voraz.
Um tempo que não é o meu.
Falo do tempo-espaço desta modernidade dita progresso.
Este mundo em que somos todos mercadorias. Ou, no máximo, consumidores. E nada mais.
Este lugar onde reinam as rodovias largas: de praças desertas, grandes prédios e muros, crianças que brincam sós.
Este tempo de grandes obras para pouca gente e muita gente carente de obras básicas – como escolas e postos de saúde.
Como lobo feroz, e atroz, ele engole tudo o que não consegue ver: o que é pequeno, simples, o que é invisível para o mundo do consumo.
E lá se vão vilas inteiras, em que os velhos sentavam nas calçadas. Lá se vão as crianças que ainda brincavam de pega-pega e pião. Lá se vão as mulheres conversadeiras, os mercadinhos comunitários, as carroças pelas ruas, as roupas esticadas no varal… Vão transferidas para prédios-caixão, e lá enterram suas lembranças.
Cresci em uma rua onde as crianças corriam de bicicleta, os meninos jogavam bola na praça, os jovens tocavam violão nas calçadas… Continuo na mesma rua. Mas a rua não é a mesma.
Ao invés das casas onde vizinhos se encontravam e as meninas visitavam umas às outras, há escritórios e mais escritórios. Ao invés das bicicletas, os automóveis tomam as ruas, congestionando e transformando em estacionamento cada lugar onde os jovens sentavam para serenatas.
Não. Meu tempo não é este. E estou me sentindo náufraga em uma ilha plantada em mar infinito… (Na foto, moradores de Vila Oliveira, no Pina, protestam contra ação de despejo. Com JC Imagem)

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