por Sulamita Esteliam

Vou mudar um tiquinho de assunto. Hoje é Dia Nacional do Livro Infantil, data instituída em homenagem ao nascimento de Monteiro Lobato, desde 2002. Se vivo fosse, o – para mim – maior escritor brasileiro do gênero, faria 131 anos. Missão impossível a qualquer mortal, ainda. Quanto mais homem. As mulheres são mais longevas, talvez porque caiba a elas levar a família no lombo.
Claro, não nos esqueçamos de Matusalém, Noé e outros personagens bíblicos, que teriam beirado a casa dos mil anos. Acredite quem quiser, que explicação não há.
(No Google, descubro que a pessoa que mais tempo ficou no Planeta, comprovadamente, foi a francesa Jeanne Calment. Viveu 122 anos e 164 dias, segundo o Guiness. Nascida em Arles, a 21 de fevereiro de 1875, só se despediu do mundo a 04 de agosto de 1997. O japonês Jiroemon Kimura, se ainda vivo estiver, completa 116 anos neste 19 de abril, e mantém recorde dentre os homens, também segundo o livro que registra feitos extraordinários de todo naipe).
Dizem que a curiosidade matou o gato. Não o daqui de casa, que despencou do quinto andar, ficou meio descadeirado e deprê por alguns dias, mas sobrevive sem qualquer sequela. Por certo, gastou ao menos duas de suas sete vidas. Mas essa é outra história, que, pensando bem, dá uma boa estória infantil – o Jeik e suas peripécias. Qualquer dia desses escrevo.
Livro é algo que sempre povoou a minha vida. Não exatamente desde a tenra infância. Ainda que minha mãe, vez por outra, lesse e, quase sempre, contasse e cantasse, e até inventasse, histórias para nós, os quatro rebentos que logrou parir – três dos quais mulheres. Fazia o mesmo com sobrinhos e sobrinhas, e o fez com os netos e netas que recebeu em vida.
Repeti a façanha, também no semear leitura, e livros, para filhos e netos. Não obstante, devo confessar: todos leem menos do que eu gostaria de alardear.
Minha mãe me fazia ler em voz alta, e corrigia minha pronúncia das palavras e a entonação da frase. À época, dona Dirce, sequer, havia terminado o curso primário – só o fez quando eu, a primogênita, já ia em adiantada adolescência. Minha mãe, em toda sua simplicidade, era letrada, porque sempre gostou de ler – e de escrever.

Lobato me chegou através da escola. Viagem ao Céu foi o primeiro livro que ganhei, de dona Dáurea, minha professora do quarto ano primário. Presente que levei para casa como troféu, após eleição para o Clube de Leitura da sala. Fiquei em segundo lugar na votação dos colegas, e tornei-me bibliotecária. Partilhei o tesouro com minha mãe e meus irmãos.

Narizinho e sua boneca falante, Emília. As peripécias de Pedrinho e o sábio Visconde de Sabugosa. Dona Benta e suas histórias fantásticas. Tia Anastácia e os bolinhos de chuva. As malvadezas desastradas da Cuca. As traquinagens do Saci. A mágica da literatura invadiu minha vida para sempre, como o pó de pirlimpimpim …
A imaginação de Lobato tomou minha vida e frequentou minha casa anos a fio. Foi tema de festa de aniversário dos 5 anos de Gabi, a segunda, que acaba de completar 36, neste 17 de abril. Os personagens ganhando vida no quintal de casa, transformado em Sítio do Pica-pau Amarelo.
Gabi encarnou Emília com perfeição. Gabriel Felipe, primo-sobrinho, de Visconde vestiu sua primeira fantasia, para junto comemorar seus 2 anos. Meu irmão, Lalá, encarou o Saci, tia Luzia, tornou-se Tia Anastácia, minha mãe transmutou-se em perfeita Dona Benta.
Mas nada como a entrada triunfal da Cuca, envergada com espalhafato pela prima-irmã Raquel, mãe do Biel. A encarnação da Cuca, com fantasia criada com tal apreço aos detalhes – pela habilidade da minha amiga-irmã de infância, Dora -, espalhou super-heróis e super-heroínas pelos quatro cantos do quintal. Situação hilária, e também constrangedora: foi um custo convencer algumas crianças, apavoradas, que “A Cuca” era de mentirinha.
O Sítio do Pica-pau Amarelo foi a primeira coleção que adquiri para meus filhos, a pedido deles – e à prestação. Lembro-me que tive algo a fazer na reitoria da UFMG, e levei comigo as crianças, que eram duas, então. Morávamos no Bairro Ouro Preto, na Pampulha, e fomos a pé. É uma boa caminhada, coisa de três quilômetros.
Argumentei com as crianças que não havia grana para o táxi, e que seria complicado levar os livros – oito, com cerca de dois palmos de comprimento por um e meio de largura, em capa dura – no braço. “A gente carrega, mãe”, prontificou-se Elgui, o mais velho. “É, eu ajudo, mãe, por favor, por favor…”, ajuntou Gabi.
Não tive remédio, cedi – e com gosto. Negociei com o livreiro o pagamento em cheques, com dez dias para o primeiro. Abrimos a caixa que embalava os livros, dividimos a carga, e cruzamos o Campus, e depois o bairro, levando à cabeça o nosso tesouro encantado. Encantados, todos nós, com as delícias que teríamos pela frente.
Sim, os filhos de Gabi herdaram a coleção, cedida pela caçula, Babi. Menos o volume Emília no País da Gramática, que foi “doado” pela terceira, Carol, à turma da Escola Classe onde ela cursou a terceira série, em Brasília.
Tempo bom em mana?Com festas melhores ainda. E nada como ter uma memória privilegiada para relatar adoravelmente com minúcias cada alegria desta época.
Obrigada, maninha. Saudades de vcs. Xerim