
por Sulamita Esteliam
Retomo as postagens, nesta segunda véspera de São João – feriado em Pernambuco – para lembrar que o Brasil ficou mais pobre. Isso mesmo.
Não falo de futebol ou de Copa do Mundo nesses trópicos, em plena celebração da Canarinha, classificada para as oitavas de final – há quem não acreditasse, e até torcesse contra…
(Essa celebração de testosterona por excelência que é mundial de futebol cativa a maioria – Euzinha inclusa. Mas, em campo não há lugar para as mulheres, cada vez mais presentes na torcida. Sequer bandeirinhas há … Embora elas já ousem noutros níveis.)
O que me move nesta postagem, agora que recuperei a mobilidade superior, é exatamente uma mulher. Falo da perda, física, de Rose Marie Muraro, por conta de um câncer na medula.
A notícia recebi por correio eletrônico, via Rede Mulher e Mídia e Rachel Moreno.
Encantou-se no último sábado, aos 83 anos. Foi cremada na tarde deste domingo, no Memorial do Carmo, no Cemitério do Caju, Rio de Janeiro.
A presidenta da República, Dilma Roussef manifestou seu pesar, publicamente. A ministra da Secretaria de Políticas para Mulheres, Eleonora Menicucci, feminista e também amiga de Rose Muraro, se fez presente nos funerais.
Para quem, como eu, acredita em missão, ela a cumpriu como desafio, mais do que como saga – pessoal, familiar e social. Venceu a quase cegueira, a intolerância, a discriminação, a mesmice. Sem perder a ternura, o cuidado e a capacidade de amar.
Permitiu-se a humanidade, apesar de. Deixa legado inestimável.
Não a conheci, pessoalmente.
Escritora, economista, cientista, editora, precursora do feminismo nestas plagas. Espiritualista, ativista, da vida em sua plenitude, da causa dos direitos da mulher, o que inclui o direito ao prazer – intelectual, moral, sexual.
É autora de Sexualidade da Mulher Brasileira – Corpo e Classe Social, Record, 1996. Dentre cerca de 40 títulos, que incluem tratados científicos e literatura. O livro citado é comparável ao Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir, feminista de geração anterior.
Se a francesa trata da discriminação do prazer sexual com base no gênero, a brasileira relaciona o direito ao prazer, do e no sexo, à classe social da mulher.
Fundamentado em pesquisa no Nordeste e Sul do país, o livro mostra que a carga discriminatória sobre o corpo e sexo é muito mais intensa dentre as mulheres do povo.
Nós, mulheres, brasileiras sobretudo, devemos a Rose Marie Muraro muito do que somos e acreditamos que podemos ser.
Iluminada para sempre.
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Transcrevo poema, até então inédito, de Rose Marie Muraro, publicado in memorian pelo instituto que leva seu nome em sua homenagem:
O Pássaro de Fogo
Tu vieste como um pássaro
E pousaste no meu ombro
E eu fui habitada
Pela paixão da entrega.
Eu te amei antes que tu existisses
Como o deserto que tem sede de água
E as flores tem sede da luz
E te amei como a pedra ama a terra
Que lhe dá sua força.
Com teu bico colocaste na minha mão esquerda
A semente da morte
E na direita a semente da vida
Para que com as duas juntas
Eu fizesse a escolha de cada momento
Ligando o instante à sua profundidade eterna.
Pássaro de fogo
Capaz de queimar sem consumir
Estás dentro de mim.
Pássaro de fogo
Irei onde tuas asas me conduzirem
E meu caminho se tornou incandescente
Como teus olhos.
Rose Marie Gebara Muraro
11/11/1930-21/06/2014
Mais sobre Rose Marie Muraro:
A saga de uma mulher impossível – Leonardo Boff
Ministra dá nome de Rose Muraro a prêmio para feministas – EBC Notícias