por Sulamita Esteliam
Quase apanho aqui em casa porque decidi torcer pela Argentina na semifinal contra a Holanda. Imagina o que vou aguentar domingo, na disputa final do título contra a Alemanha.
Não entendem meu raciocínio, simples: já que o Brasil dançou, que seja campeão um time latino-americano. Ameaçam, filhas, neto e companheiro, me jogarem no meio da torcida de los hermanos, para ver se aguento.
Duvidam do meu senso de humor, claudicante devo confessar.
Ora, o que sobra nos argentinos falta até a medida certa entre nós: autoestima. Gosto disso.
A bem da verdade, não se pode generalizar quando se trata de brasileiros. Nada mais parecido com um cearense do que um argentino: tudo deles é melhor ou maior, e não perdem uma piada nem por decreto.
A propósito, navegando já noite posta, topei com artigo do amigo carioca Gilson Caroni Filho no Correio do Brasil, que vem a calhar. Consultei-o no Facebook, e compartilho – notem como é elegante em traduzir nosso complexo de vira-latas:
Nós, os argentinos e os ídolos
por Gilson Caroni Filho – Rio de Janeiro

Já perceberam como tratamos os nossos ídolos em campo? Se alguém elogia Garrincha, logo aparece um idiota afirmando que ” ele não jogaria hoje”. Comparam jogadores de tempos diferentes, esquecendo-se que cada craque é o rei de sua época. Exalte um Zico e não demorará muito para alguém diga que ” era jogador de Maracanã”. Digam que Romário foi um dos maiores atacantes que o Brasil já teve e logo um filisteu perguntará se” teria vaga na seleção de 1970″. Essa o Tostão já respondeu:
– Teria, nem que fosse no meu lugar.
Às vésperas do tricampeonato, Pelé foi pro México com muita gente afirmando que estava acabado. Gérson “andava em campo” e Tostão, depois da bolada que quase lhe tira a visão, não tinha mais condições de jogar.
Mais recentemente, Neymar “era um enganador”, só fazia gol em time pequeno no campeonato paulista. Quando se destacou nacionalmente, veio a pergunta inevitável:” quero ver se joga assim no Barcelona?” Foi pra lá. E, enquanto se adaptava, muitos urravam: ” Eu não disse? Compare ele ao Messi ou ao Cristiano Ronaldo”
E o mais triste é que somos assim com nossos cantores, atores, pintores, escritores e outros mais. Somos assim com nós mesmos. A Copa foi um sucesso dentro e fora de campo. Mas bastou o chocolate alemão para muita gente dizer que o fracasso foi geral.
Prefiro os hiperbólicos argentinos que não hesitam em proclamar que ” Maradona foi melhor que Pelé”; que Di Stéfano foi um “gênio da raça”; que Gardel, sobre quem paira dúvida quanto à nacionalidade, “foi o maior cantor de todos os tempos”.
É por isso que não hesito em afirmar que a Copa de 2014 foi marcada pelo sucesso brasileiro em sua organização e por uma seleção alemã que encantou a todos e tem amplas possibilidades de ganhar o torneio. Mas sua alma, amigos,sua marca de paixão,queiram ou não, foi argentina.
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia da Facha (RJ), colaborador do Correio do Brasil, e colunista do Correio do Brasil e da Carta Maior