por Sulamita Esteliam
O A Tal Mineira reproduz entrevista do Jornal GGN com ex-presidente da EPL – Empresa de Planejamento e Logística, Bernardo Figueiredo. Bastante esclarecedora sobre as perspectivas de desenvolvimento que se abrem com o interesse chinês em investir em infraestrutura no Brasil.
Importante para ajudar a afastar o fantasma do “perigo vermelho” a ameaçar nossa frágil democracia. E exorcizar o diabinho da xenofobia, que alimenta o pesadelo que leva a visões do nosso mercado de trabalho tomado por um exército de homenzinhos amarelos. Pior, supostamente dispostos a trabalhar por qualquer preço e nenhuma lei.
O Jornal GGN é sítio jornalístico comandado pelo competentíssimo Luis Nassif, jornalista e blogueiro. Há anos o colega vem tirando o sono dos barões da mídia venal. A ponto de tentarem amordaçá-lo via Justiça.
Transcrevo:
Os dólares chineses na infraestrutura brasileira
Luiz de Queiroz – Jornal GGN
Colaborou João Paulo Caldeira
Jornal GGN – A vinda do primeiro-ministro chinês Li Keqiang para o Brasil trouxe grande comoção. De um lado a esperança de recuperação do mercado de infraestrutura com a promessa investimentos na casa de US$ 50 bilhões, só para começar. Do outro o medo da invasão de uma força de trabalho comunista e de empresas com pouco respeito pelos direitos trabalhistas.
Para separar as expectativas delirantes das reais e compreender os gargalos e as necessidades de investimentos do mercado de infraestrutura, o Jornal GGN conversou com o ex-presidente da Empresa de Planejamento e Logística (EPL), Bernardo Figueiredo.
Para ele, a “paranoia de que vão trazer chineses para fazer obras é uma bobagem”. “A China vem investindo muito no Brasil e nunca encheu o Brasil de chineses. Isso é conversa para criar barreiras de entrada”, disse.
Um estudo da EPL mapeou as necessidades de investimentos do Brasil e concluiu que só em ferrovias, rodovias, portos e hidrovias, o país tem um déficit de R$ 700 bilhões. “Se a gente for investir R$ 100 bilhões por ano, nós vamos gastar sete anos para colocar tudo o que precisa. Cada ano que eu demoro a fazer os R$ 700 bilhões, eles aumentam. Porque a dinâmica da sociedade e da economia no dia a dia vai gerando mais pressões e novos gargalos”, explicou Figueiredo.
Para ele, o investimento chinês no Brasil não resolve todos os problemas, mas ajuda, porque o capital estrangeiro “tem um custo mais barato”. Além disso, “é uma demonstração – e não são só os chineses – de que existe um interesse no Brasil e de que as pessoas vêem a infraestrutura como uma oportunidade”.
E não é que o custo para investir no Brasil seja menor para os chineses. “O custo é igual para todo mundo. O choro é que é diferente de um pra outro. Eventualmente, o trator chinês é mais barato que o trator americano ou europeu. Então, o europeu fala que o custo é alto porque o trator dele é caro. O chinês fala que o custo é baixo porque o trator dele é barato”.
De qualquer maneira, a China não está fazendo filantropia no Brasil. A vinda do dinheiro chinês só vai se concretizar se a agenda chinesa e as necessidades brasileiras convergirem.
Abaixo, os principais trechos da entrevista:

Lugar: Teatro Real Espanhol, Madri, Espanha.
Pauta: Evento em parceria do Valor com o jornal espanhol El País “Brasil en la senda del crecimiento” (“O Brasil no caminho do crescimento”).
Na foto: Bernardo Figueiredo. Presidente de Empresa de Planejamento e Logistica.
Foto: Anna Carolina Negri/Valor
Jornal GGN – O primeiro-ministro chinês veio para o Brasil com a promessa de colocar US$ 50 bilhões na infraestrutura nacional, em um momento que o horizonte de investimentos parece estar prejudicado pela Operação Lava Jato e pelo ajuste fiscal. Esses dólares chineses devolvem a perspectiva ou pelo menos parte da perspectiva para o mercado brasileiro de infraestrutura?
Bernardo Figueiredo – Eu acho que sim. Porque é uma demonstração de que existe vontade da China de investir em uma coisa que nós precisamos. Não quer dizer que é uma mágica que vai resolver tudo. Mas é uma demonstração – e não são só os chineses – de que existe um interesse no Brasil e de que as pessoas vêem a infraestrutura como uma oportunidade. Talvez isso desperte também a manifestação de outros investidores.
Agora, para esses investimentos acontecerem nós temos que nos preparar para recebê-los.
E como o Brasil pode se preparar para receber esses investimentos?
Qualquer investimento em qualquer infraestrutura tem os passos que precisam ser dados. Você primeiro tem que estruturar o projeto. O que é estruturar o projeto? Tem que fazer um estudo de engenharia, tem que fazer a estruturação financeira e tem que modelar o projeto.
Depois tem que licitar o projeto. Depois tem que implantar o projeto. Essas coisas têm o tempo delas. O que a gente tem que entender no Brasil é que se não respeitar esse tempo, as coisas sempre vão ter problemas. Não adianta eu ter vontade de investir se não tem onde investir.
Onde investir a gente tem bastante. No ano passado o senhor falava sobre a necessidade de o Brasil dar um salto nos investimentos de infraestrutura de R$ 15 bilhões, que investe anualmente, para R$ 100 bilhões por ano. Essa necessidade continua a mesma ou ela aumenta na medida em que a gente perde tempo para fazer esses investimentos?
Eu tenho um déficit. A EPL fez um trabalho que levantou tudo que a sociedade civil apontava como prioridades para investimentos.
A gente tem uma necessidade de investimentos de R$ 700 bilhões, só em ferrovia, rodovia, porto e hidrovia. Se você pegar o que estava no PIL [Programa de Investimentos em Logística] e o que estava no PAC [Programa de Aceleração do Crescimento] dá mais ou menos R$ 400 bilhões. Então ainda falta R$ 300 bilhões.
A gente não executou tudo que estava no PAC e tudo que estava no PIL, quanto mais esses R$ 300 milhões novos. Então, a gente tem um déficit muito grande. Se a gente for investir R$ 100 bilhões por ano, nós vamos gastar sete anos para colocar tudo o que precisa.
Cada ano que eu demoro a fazer os R$ 700 bilhões, eles aumentam. Porque a dinâmica da sociedade, da economia no dia a dia vai gerando mais pressões e novos gargalos, novas necessidades.
Se eu não der um tratamento de choque para eliminar o déficit que tem e depois não fizer um investimento que mantenha a capacidade adequada, eu não saio da situação que está com problema desde sempre.
O problema brasileiro atual é por conta da Operação Lava Jato e ajuste fiscal? Esse déficit já existia.
É. Esse déficit não foi criado hoje, ele vem desde os anos 80 quando nós paramos de investir.
O Brasil não fazia investimento substantivo até o PAC. No PAC nós saímos de um patamar de R$ 2 bilhões para um patamar de R$ 15 bilhões.
Melhorou, foi um avanço, mas a gente precisa de um patamar de R$ 100 bilhões, então, estamos longe ainda.
E o dinheiro chinês, com certeza não supre toda a necessidade, mas resolve parte do problema?
Sim. Nós não temos condição de fazer R$ 700 bilhões por todas as razões que nós todos conhecemos. Então, nós temos que estabelecer prioridades. Tem coisas que são mais importantes do que as outras, nesses R$ 700 bilhões. Teoricamente, o PAC e o PIL selecionaram as coisas que são mais urgentes.
US$ 50 bilhões é um grande avanço, mas eu acho que nós temos condição de atrair investidores para muito mais do que US$ 50 bilhões.
Esses outros investidores e esses R$ 50 bilhões só vão se materializar se eu tiver os projetos onde eles serão aplicados. Então, a primeira providência que eu tenho que tomar é fazer os projetos. E o acordo com os chineses caminha nessa direção. Eles têm um projeto que eles têm interesse que é a Ferrovia Transoceânica, então, eles vão fazer o estudo de viabilidade.
E aí vamos ver como é que a gente contrata, como modela, como é a concessão. Porque o chinês, como qualquer investidor do mundo, sabe fazer conta. Não é entidade filantrópica, que vai investir só porque nós precisamos. Ele vai investir e vai querer retorno.
Então, como é que ele vai ter o retorno? Onde é que está demonstrado? Como é que vai ser a concessão disso? Tem um longo caminho ainda pela frente para que os US$ 50 bilhões se materializem.
Agora, tem projetos que já estão em andamento, que estão parados por conta dessa situação circunstancial que a gente vive e esses US$ 50 bilhões podem evitar que esses projetos parem também. Mas eu não sei exatamente como eles serão aplicados, qual a ideia de uso desse dinheiro.
Então, para que esse dinheiro venha, ainda depende do Brasil mostrar para os chineses quais são os projetos interessantes?
Não. Eu acho que o Brasil sabe quais são os projetos interessantes. E os chineses também sabem quais são os projetos interessantes.
Mas isso também não basta. Eu tenho que botar esses projetos de pé. Tenho que fazer o básico. Tenho que fazer o estudo, fazer o projeto, estruturar o projeto, modelar como vai ser executado, se vai ser obra pública, se vai ser concessão, se for concessão se vai ser com outorga ou sem outorga.
Mas tem coisas que já estão em andamento, e essas coisas têm outra lógica.
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