por Sulamita Esteliam
O número da emenda aprovada na madrugada desta quinta, 02 de julho pela Câmara dos Deputados já incorpora o propósito: 171, no Código Penal Brasileiro, é estelionato. E foi o que promoveu o presidente da Câmara Baixa, cada vez mais anã, do país: estelionato político-social, estelionato de cidadania. Retrocesso no processo civilizatório e do estado democrático de direito.
Conforme publicado aqui no A Tal Mineira, Eduardo Cunha, o rei de coroa de lata, ontem mesmo recolocou em votação a proposta a PEC da redução da maioridade penal, apesar de ter sido rejeitada na madrugada anterior.
De posse do mapa da votação anterior, Cunha pressionou deputados que disseram não a mudar o voto. E aprovou-se o texto original com emendas aglutinativas. Desta vez, o placar foi de 323 a 155, com duas abstenções. Significa que a PEC 171 vai ao segundo turno.
Pedaladas regimentais, de quem conhece o Regimento Interno pelo avesso, e ousa interpretá-lo em interesse próprio. Mas à revelia da Lei Maior, que é a Carta Magna.
É o que entendem juristas e magistrados de diferentes calibres, que falam pela voz da OAB – Ordem dos Advogados do Brasil e a AMB – Associação dos Magistrados Brasileiros.
O ministro Marco Aurélio de Mello, do STF, já se manifestou a respeito, e corrobora a interpretação das duas instituições. Até o ex-presidente do Supremo, Joaquim Batman Barbosa, quem diria, classifica o Congresso de “insensato”.
Todavia, ainda que seja certo que o Direito não é ciência exata – e em cabeça de juiz, advogado e nenem não se sabe o que vem -, a manobra de Cunha estupra a Constituição de 1988 pela segunda vez.
A primeira é o açodamento em votar matéria de tal gravidade na contramão de todas as estatísticas e recomendações, inclusive da Unicef. Do ponto de vista jurídico-constitucional, o entendimento que prevalece é que a maioridade penal, estabelecida no Artigo 228, é cláusula pétrea, porque trata de direitos e garantias individuais.
Em cláusula pétrea não se mexe. Muito menos para agradar um suposto eleitorado e/ou uma suposta opinião pública – envenenados pelo sensacionalismo barato da mídia venal, que insufla o medo e prega a vingança como panaceia.
Deputados contrários à emenda prometem ir ao STF, que, em tese, é guardião da Constituição.
E ainda falta um turno de votação na Câmara e dois turnos no Senado. Há que restabelecer-se o bom senso.
Confira o Artigo 60, especialmente os parágrafos 4º e 5º, grifados por esta reles blogueira:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
(…)
Subseção II
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
I – de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;
II – do Presidente da República;
III – de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.
§ 1º A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.
§ 2º A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.
§ 3º A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I – a forma federativa de Estado;
II – o voto direto, secreto, universal e periódico;
III – a separação dos Poderes;
IV – os direitos e garantias individuais;
§ 5º A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.
