por Sulamita Esteliam

O ego do Farol da Alexandria, como diz o Paulo Henrique Amorim, não permite que FHC seja adepto do bom senso. Ao sugerir que a presidenta Dilma tenha “um gesto de grandeza e renuncie” porque seu governo “é ilegítimo”, desconsidera 54 milhões de votos que impuseram a derrota eleitoral ao seu partido.
Joga no limbo a Constituição e as instituições brasileiras. Inclusive o TSE, responsável pela fiscalização e apuração do pleito, e pela diplomação da vencedora.
Aposta no tanto pior melhor. Perde, mais uma vez, a grande chance de ficar calado.
Um ex-presidente, que comprou votos para se manter no poder, quebrou o Brasil três vezes, vendeu o patrimônio brasileiro a preço de banana, “no limite da responsabilidade”. E deixou a presidência depois de oito anos com níveis de popularidade em 26%, apesar da conivência da mídia venal.
A bem da verdade, não é de se estranhar. A biografia do “príncipe da privataria” – expressão que dá título ao livro do colega Palmério Dória, pela Geração Editorial ( leia também A Privataria Tucana, de Amaury Ribeiro, recordista de venda pela mesma editora) – é rica em episódios desta natureza.
Pratica memória seletiva e tem na vaidade o seu prisma. Pediu “esqueçam o que escrevi”, quando flagrado em contradição ideológica; sentou-se na cadeira de prefeito de São Paulo antes de abrir as urnas – e tomou uma surra de Jânio Quadros-; se considera o pai, a mãe e o espírito encarnado do Plano Real.
Nem de longe se lembra de que o presidente da República, seu chefe, era Itamar Franco. Sem contar o rol de economistas que gestaram e pariram o plano: Pérsio Arida, André Lara Rezende, Pedro Malan, Gustavo Franco, Edmar Bacha, Wiston Fritch, Clóvis Carvalho… a turma da PUC-RJ.
E ainda teve a pachorra de assinar a cédula do real, em 1 de junho de 1994, mesmo não sendo mais o ministro da Fazenda, candidato que estava à sucessão presidencial. O ministro de então era Rubens Ricúpero, que ficou de coadjuvante, com cara de tacho.
Euzinha estava lá, como repórter da extinta TV Manchete.
Registre-se que Itamar Franco teve seis ministros da Fazenda, pela ordem: Gustavo Krause (PE), Paulo Roberto Haddad e Eliseu Rezende (MG), FHC e Ricúpero (SP) e Ciro Gomes (CE).
Ricúpero, diplomata de carreira, passava a imagem de vovô tranquilo e parcimonioso. Acabou ficando na história como o “ministro da parabólica”.
Carece explicar: em conversa informal antes de entrevista ao jornalista global Carlos Monforte – cuja irmã era casada com o ministro – confessou o modus operandi do Plano Real: “Eu não tenho escrúpulos. Eu acho que é isso mesmo: o que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde”.
O que ele nem o jornalista sabiam é que o link com o satélite para entrada ao vivo já estava ativo, e a conversa foi transmitida para quem tinha parabólica. Deu-se em 01 de setembro. Ricúpero renunciou no dia 06.
Bem no espírito do que quero demonstrar.
Todavia, em nome da verdade dos fatos, ocorre-me que o comentário de FHC nas redes sociais pode bem ser uma “vendetta” contra seu verdadeiro adversário, o ex-presidente Lula. Ressentimento é algo muito difícil de deglutir.
Lula, que perdeu a eleição duas vezes para FHC, o sucedeu, deixou o governo com 87% de popularidade, recorde mundial. Fez e reelegeu a sucessora e, apesar do massacre contra o governo Dilma e o PT, ainda é considerado o melhor presidente que o país já teve.
Como se diz aqui no Nordeste, é pra arrombar.
Não é só por isso que FHC “recomenda” à Dilma que renuncie ou faça mea culpa e se afaste do “patrono” para “não se contaminar por seus malfeitos”. Baseia-se nas manifestações de domingo, que em Brasília exibiram um boneco gigante de Lula (à bagatela de R$ 12 mil) caracterizado como presidiário.

Lembremos que Fernando Henrique inaugurou os protestos massivos contra governos no país. A marcha do 100 mil deu-se em 26 de agosto de 1999, a pouco mais de oito meses da posse do segundo mandato.
Buscava pressionar o Congresso para instalar CPI da Privataria para investigar irregularidades na venda das teles (telefônicas estatais) iniciada na primeira gestão. Um abaixo-assinado subscrito por um milhão de signatários foi entregue à Câmara.
Idealizada pelos movimentos sociais e pelos partidos de esquerda, e apoiado por entidades da sociedade civil, como CNBB e OAB. Protesto orgânico nunca visto. O mote da marcha era também o combate à corrupção, além do entreguismo, e se traduzia nas palavras de ordem “Basta FHC” e “Fora FHC e FMI”.
Havia dissenso sobre impeachment, reivindicado pelos movimentos sociais. CNBB e OAB discordavam. Os partidos de esquerda insistiam na CPI. O hoje vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB), que à época presidia a Câmara, se recusou a instalar; apesar do milhão de assinaturas.
Leonel Brizola, presidente nacional do PDT, sugeriu que Fernando Henrique renunciasse. E Lula, presidente de honra do PT, no discurso do encerramento da marcha teria acrescentado que FHC não teria “grandeza para renunciar”.
O “príncipe” sentiu na pele, inoculou o veneno e agora o devolve.
*************
Postagem revista e atualizada dia 19.08.2016, às 19:24 horas: correção de erros de digitação e de falhas na pontuação em diferentes parágrafos; substituição de frase repetida na última linha do antepenúltimo parágrafo.
