
por Sulamita Esteliam
Desculpe-me, presidenta, Dilma, sabemos, nós mulheres e homens de boa vontade, que sua vida não está nada fácil. Sabemos, também que busca soluções para os problemas graves pelos quais o país atravessa.
Todavia, por mais que a gente tente entender, determinadas atitudes de seu governo não fazem sentido. Por exemplo, o sacrifício de sua base política, em nome da pressão conservadora e da tal governabilidade, que nunca chega.
Atenho-me, entretanto, ao aqui e agora, com vistas ao futuro imediato.
Seu discurso na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque, na segunda-feira, 28. Sua fala no Encontro de Líderes Globais sobre Igualdade de Gênero e Empoderamento das Mulheres, no domingo anterior. Nada disso combina com muitas das políticas engendradas no malfadado ajuste fiscal e com a reforma administrativa e ministerial que, à hora que escrevo, começa a tomar corpo.
Aparentemente, perdão, há desajuste de propósitos e ações. Nele se inclui, por exemplo, a ventilada fusão de três secretarias da Presidência da República, essenciais à formulação e execução de políticas de inclusão e empoderamento. De fato, é o gol de placa dos governos encabeçados pelo PT, ao lado do Fome Zero e do Brasil sem Miséria.
O nome é bonito: Ministério da Cidadania. Mas o efeito é funesto. Juntar, na mesma estrutura a SPM – Secretaria de Políticas para Mulheres; Seppir – Secretaria de Promoção para a Igualdade Racial e SNDH – Secretaria Nacional de Direitos Humanos, e ainda a Secretaria da Juventude. Perdão, mas é negar a prioridade, retirar o foco, a visibilidade, e deixar escoar pelo ralo todo o esforço dos últimos 12 anos.
Não à toa, os movimentos sociais de mulheres, que apoiaram sua reeleição, e estão nas ruas defendendo a legitimidade de seu governo, estão em polvorosa. Mas não somente. Homens – estudiosos, pesquisadores – compromissados com os direitos sociais e individuais, com a causa da igualdade, também custam a crer.
Mais do que retrocesso, a ideia, que seria anunciada nesta quarta ou quinta-feira, está sendo definida como “apagão histórico”.
Isso acontecer num governo popular já seria irônico. No governo da primeira mulher eleita, e reeleita, presidenta da República é absolutamente incompreensível, e inaceitável. Ainda por cima em ano de conferências – municipais, estaduais, nacional – cuja tema, suprema ironia, é Mais Poder e Participação para as Mulheres.
Ainda no domingo, pelo Twitter, a senhora comenta sua participação no encontro de líderes globais, organizado pelo governo da China e pela ONU Mulheres: “Hoje, na ONU, defendi a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres como valores essenciais para o mundo”, escreve.
O Blog do Planalto destaca os pontos principais de seu discurso, em que menciona, com justo orgulho – que fazemos nosso -, os avanços proporcionados pelas ações do governo na construção de políticas de igualdade de gênero em suas diferentes dimensões: trabalho, educação, combate à violência, arcabouço legal de direitos, inclusão social.
“As mulheres também vêm sendo protagonistas do processo de inclusão social em curso no Brasil. Elas são as principais receptoras das políticas de renda e de acesso à moradia, à saúde e à educação. Ao superarmos a fome e darmos prioridade ao combate à pobreza, demos oportunidades para milhões de mulheres construírem suas vidas e de suas famílias. No Brasil, a pobreza tinha face: era mulher, era negra e era jovem”, afirma.
Sua fala no encontro reitera a necessidade de seguir adiante, avançando nas conquistas de igualdade de oportunidade para mulheres. Seu discurso na Assembleia Geral da ONU celebra a inclusão do Fome Zero, a exitosa política pública que retirou o Brasil do mapa da fome, como Objetivo Sustentável número 2, dentre os 17 novos objetivos sustentáveis definidos pelas Nações Unidas.
Brilhamos, e devemos continuar a dar exemplo ao mundo. Como a senhora mesmo ressalta, é preciso “solidariedade global e compromisso” com as politicas públicas para superar a pobreza e a miséria, e construir igualdade de oportunidades.
Se me permite, senhora presidenta, junto a essa missiva pública outra carta aberta. É endereçada à Sua Excelência pelos fóruns de Gestoras de Organismos de Políticas para Mulheres e do Pacto de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, e que me chega via Rede Mulher e Mídia, em cujas fileiras me perfilo – ainda que um tanto precariamente.
Há outra dezena oriundas das articulações do movimento de mulheres, de gestoras e da sociedade civil – como a de Pernambuco, de onde bloga A Tal Mineira -, que certamente já está em suas mãos. Foram reunidas em postagem pela Agência Patricia Galvão.
Meu respeito e admiração por sua fibra, que faz jus à mulher mineira, brasileira.


Brasília, 22 de setembro de 2015.
Carta Aberta
À
Excelentíssima Presidenta da República
Dilma Rousseff,
O Fórum Nacional de Gestoras de Organismos Estaduais de Políticas para as Mulheres e o Fórum Nacional de Gestoras Estaduais do Pacto de Enfrentamento à Violência contra a Mulher vêm, mui respeitosamente, expressar seu apoio à Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República e seu desejo de que esta Secretaria não perca o seu status de Ministério.
A Secretaria de Políticas para as Mulheres é uma conquista das mulheres brasileiras, que teve início no ano de 2003, por meio da Medida Provisória 103/2003, que transformou a antiga Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher, do Ministério da Justiça, na Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, vinculada à presidência da República.
De 2003 até hoje foram 15 anos de muitas conquistas, construindo políticas em áreas variadas, dando vez e voz às mulheres em todas as expressões de nossa diversidade: mulheres do campo, da floresta e das águas; mulheres negras, indígenas e quilombolas; mulheres lésbicas, bissexuais e transexuais; mulheres com deficiência; mulheres jovens e idosas; mulheres trabalhadoras, empregadas domésticas, sindicalistas, estudantes; mulheres que sofrem e sofreram violências; mulheres em toda a sua pluralidade.
Nestes 15 anos tivemos conquistas muito significativas, como os Planos de Políticas para as Mulheres, agora em sua terceira edição, a Lei Maria da Penha, a Lei do Feminicídio, o Programa Pró-equidade de Gênero, o Ligue 180 e tantas outras, de grande importância.
A SPM também um papel fundamental na interlocução com outras pastas e na inserção da perspectiva de gênero em diferentes políticas públicas federais. Essa influência se faz sentir no Bolsa Família, no Programa Minha Casa Minha Vida e no PAC – Programa de Aceleração do Crescimento –, que hoje contemplam as mulheres e atendem demandas específicas desta população.
Outra função importante da SPM é o incentivo aos governos estaduais e municipais para que sejam criados Organismos de Políticas para as Mulheres locais, o que tem alavancado as políticas públicas para as mulheres de Norte a Sul do país. Se em 2013, ano de criação da SPM, estes organismos não chegavam a 20 em todo o Brasil, atualmente somos mais de 700 organismos, trabalhando dia a dia pela redução das desigualdades entre mulheres e homens.
Por toda essa trajetória, podemos dizer que a SPM é a nossa voz no poder público federal, zelando por nossos direitos, instituindo nossas conquistas e avançando a cada dia para que mais e mais brasileiras possam desfrutar de uma sociedade com equidade de gênero. Por isso, queremos manifestar nossa preocupação com as notícias de uma possível extinção da SPM ou de sua incorporação a outras pastas ministeriais.
Temos ciência da necessidade de adotar medidas para o controle e contenção das despesas públicas e sabemos que estas são medidas difíceis de serem tomadas e que requerem muita atenção. No entanto, gostaríamos de pleitear que a SPM não fosse desarticulada e que não fosse anexada a nenhum outro ministério, sob pena de termos retrocessos e perdas de grande impacto para a vida das mulheres brasileiras, que historicamente sempre foram negligenciadas e ignoradas em suas demandas.
Na qualidade de gestoras estaduais, tememos também as repercussões dessa possível reconfiguração ministerial nas políticas para as mulheres nos estados e municípios. Certamente haverá uma onda de retrocessos que terá consequências nos trabalhos desenvolvidos em todo o país.
Diante de tudo que foi exposto, desejamos poder colaborar para que a SPM continue sendo uma Secretaria com status de Ministério, que permaneça forte e atuante em defesa de todas as mulheres e da equidade de gênero que tanto merecemos e esperamos.
Respeitosamente,
Fórum Nacional de Gestoras de Organismos Estaduais de Políticas para as Mulheres.
Fórum Nacional de Gestoras Estaduais do Pacto de Enfrentamento à Violência contra a Mulher.
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Postagem revista e atualizada dia 30.09.2015, às 18:05 horas: erro de formatação corrigido.
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