por Sulamita Esteliam
A barbárie anda solta a comprovar dados de estudo, segundo o qual, 1% da população mundial é psicopata. Significa que não tem qualquer empatia com as pessoas, muito menos compaixão ou culpa. O percentual sobe a 4% dentre executivos, políticos ou ocupantes de postos de comando.
É o que cita artigo da psiquiatra e neurocientista Lopa Móron – quase, né…! – publicado pelo El País. Ela avalia, entretanto, que psicopatia não implica, necessariamente, em criminosos por atos físicos ou predatórios.
Nem todos os assassinos do mundo são psicopatas. Todos nós carregamos o bem e o mal, por isso ninguém é perfeito. O ser humano tem, sim, o poder de escolha, de usar ou não os limites civilizatórios, digamos assim.
Há quem, simplesmente, não perceba, não consiga, ou não quer. Seriam esses psicopatas, ou mau-caracteres, maniqueístas ou amorais delirantes? Em que categoria a gente insere um Sérgio Moro ou um Jair Messias Bolsonaro, por exemplo?
Assassinato do líder Elmira Wajãpi no Amapá, dia 23, onde as aldeias vivem sob fogo de garimpeiros e madeireiros, segundo áudio indígena divulgado nas redes sociais. Novo massacre de prisoneiros em presídio do Pará, em Altamira, nesta segunda, 29: saldo de 57 mortos, até a hora em que escrevo. No início do mês, atearam fogo em aldeia Pataxó, em Brumadinho.
Marielle e Anderson, quem mandou matar afinal? Estaria o Queiroz vivo, meus botões não se cansam de perguntar…
Enquanto isso, o celerado que ocupa a Presidência da República faz o quê? Nega, desconhece, debocha. Faz live para cortar o cabelo e atiçar ainda mais a violência, sugerindo que morador de rua deve levar tiro, por exemplo.
Já no início do dia, contrariado com as críticas do presidente da OAB Nacional, Felipe Santa Cruz, atacou a memoria do pai. Fernando Augusto Santa Cruz, morto sob a tutela do Estado, em 1974, durante a ditadura venerada pelo capitão-fake-delirante.
O ora ocupante da cadeira presidencial disse que sabia como Fernando foi morto, e que ele, Felipe, não gostaria de saber. Disse mais, que não teria sido o regime, mas militantes da AP – Ação Popular, uma das muitas organizações da esquerda na resistência à ditadura, que deixou mais de 140 mortos e “desaparecidos”.
Mentiu. Mente sempre. Pior, acredita na própria mentira e é estimulado a isso, afinal, ele é a própria mentira, a mentira eleita à base de uma farsa inominável.
Teve a ajuda de outro mestre na manipulação, o ex-juiz que guindou à categoria de ministro da Justiça, outro mentiroso compulsivo, com overdose midiática e olhar complacente de quem deveria contê-los.
Felipe tinha 2 anos quando o pai, estudante, foi preso e assassinado, em fevereiro de 1974. Sua avó, dona Elzita Santa Cruz se encantou aos 105 anos, em junho passado, sem ter podido enterrar o filho, que jamais desistiu de procurar.
Entrevistei-a pelo telefone, ao vivo, para um programa na Rádio Olinda, que homenageava o filho “desaparecido”, em fevereiro de 2010, também durante o Carnaval, mesmo período do sumiço de sua cria.
A dor da mãe não se mede. A despeito disso, dona Elzita repetiu o que sempre dizia, e o fez, inclusive ao então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante homenagem no Palácio do Planalto: não queria vingança, mas o direito de sepultar o filho.
Outro filho dela, também perseguido pela ditadura, Marcelo Santa Cruz, advogado, vereador e membro do Movimento Nacional dos Direitos Humanos, à época, estava com a gente nos estúdios do Violência Zero, então.
A crueldade dos porões ultrapassou todos os limites, atravessou décadas e chegou até nós, em pleno século 21. Feridas abertas que não cicatrizaram pois nossa anistia alcançou os algozes e não sepultou as vítimas.
Dona Elzita jamais teve notícias oficiais do fim que levou Fernando Santa Cruz. Mas a Aeronáutica dispõe de documento secreto a respeito, conta Bernardo Mello Franco no Globo:
“Segundo a versão de Bolsonaro, Santa Cruz teria sido morto por outros militantes da Ação Popular, uma das organizações que combatiam a ditadura.
No entanto, o relatório secreto RPB 655, do Comando Costeiro da Aeronáutica, atesta que o estudante foi preso pelo regime em 22 de fevereiro de 1974, no Rio de Janeiro.
O documento, anexado ao relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), comprova que Santa Cruz estava sob custódia do Estado quando foi assassinado.
Em depoimento à CNV, o ex-delegado Cláudio Guerra disse que o corpo teria sido incinerado na Usina Cambahyba, em Campos.”

Também o livro Memórias de uma Guerra Suja, de Marcelo Netto e Rogério Medeiros, traz informações a respeito, a partir de depoimento do mesmo Cláudio Guerra. Confira na foto resgatada pelo DCM:

O nome de Fernando Santa Cruz foi incluído na lista de desaparecidos da ditadura em lei oriunda da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, criada por Nilmário Miranda, deputado do PT de Minas e que viria a ser o primeiro minstro de Direitos Humanos do país, no governo Lula;
Tivemos tempos de brutalidades mil, e que agora se juntam a estranhezas. No Conversa Afiada, a transcrição de matéria veiculada pela Radio Guaíba, de Porto Alegre, com ninguém menos que Miguel Reale Jr. É jurista conhecido.
Para quem não se lembra, ele foi ministro da Justiça de Fernando Henrique, mas também foi um dos signatários do pedido de impeachment sem crime de responsabilidade da presidenta Dilma. Em outras palavras, tem culpa no cartório.
Todavia, ele não poupa críticas ao comportamento do atual presidente da República, mas não prega seu impedimento. Para ele, Jair Messias “é caso de interdição”.
“Nós estamos, realmente, dentro de um quadro de insanidade, a mais absoluta. Não é mais caso de impeachment, é caso de interdição”.
Dilma também se manifestou no Twitter. Para ela, o atual presidente “não respeita limites institucionais e desconhece imperativos morais.”


Fecho com a Nota de Repúdio da OAB em relação às declarações de Bolsonaro:
A Ordem dos Advogados do Brasil, através da sua Diretoria, do seu Conselho Pleno e do Colégio de Presidentes de Seccionais, tendo em vista manifestação do Senhor Presidente da República, na data de hoje, 29 de julho de 2019, vem a público, no uso das atribuições que lhe são conferidas pelo artigo 44, da Lei nº 8.906/1994, dirigir-se à advocacia e à sociedade brasileira para afirmar o que segue:
1. Todas as autoridades do País, inclusive o Senhor Presidente da República, devem obediência à Constituição Federal, que instituiu nosso país como Estado Democrático de Direito e tem entre seus fundamentos a dignidade da pessoa humana, na qual se inclui o direito ao respeito da memória dos mortos.
2. O cargo de mandatário da Chefia do Poder Executivo exige que seja exercido com equilíbrio e respeito aos valores constitucionais, sendo-lhe vedado atentar contra os direitos humanos, entre os quais os direitos políticos, individuais e sociais, bem assim contra o cumprimento das leis.
3. Apresentamos nossa solidariedade a todas as famílias daqueles que foram mortos, torturados ou desaparecidos, ao longo de nossa história, especialmente durante o Golpe Militar de 1964, inclusive a família de Fernando Santa Cruz, pai de Felipe Santa Cruz, atingidos por manifestações excessivas e de frivolidade extrema do Senhor Presidente da República.
4. A Ordem dos Advogados do Brasil, órgão máximo da advocacia brasileira, vai se manter firme no compromisso supremo de defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático, e os direitos humanos, bem assim a defesa da advocacia, especialmente, de seus direitos e prerrogativas, violados por autoridades que não conhecem as regras que garantem a existência de advogados e advogadas livres e independentes.
5. A diretoria, o Conselho Pleno do Conselho Federal da OAB e o Colégio de Presidentes das 27 Seccionais da OAB repudiam as declarações do Senhor Presidente da República e permanecerão se posicionando contra qualquer tipo de retrocesso, na luta pela construção de uma sociedade livre, justa e solidária, e contra a violação das prerrogativas profissionais.
Brasília, 29 de julho de 2019
Diretoria do Conselho Federal da OAB
Colégio de Presidentes da OAB
Conselho Pleno da OAB Nacional