por Sulamita Esteliam
Não consigo ter paciência com gente que se faz de coitadinho, muito menos com quem se acha. Talvez, diria uma de minhas irmãs, porque eu me ache. Tudo bem, auto estima faz bem, e eu gosto. Muitas vezes, é questão de sobrevivência. No meu caso, acasalada com o atrevimento e a capacidade de rir de si própria e, eventualmente, de fazer rir, foi arma para vencer a timidez – que nem minha mãe acreditava que eu padecia – e condições de vida adversas.
Passei isso, a tal da auto estima, para meus filhos, e tento fazer o mesmo com meus netos e com quem comigo convive. Ao ponto de meu companheiro, de duas décadas, rotular nossa casa de “egocenter”. Prefiro imaginá-la como um centro de partilha – ainda que seja de egos inflantes, inflamados ou decaídos – a depender das circunstâncias. Mas tudo tem limite.
Como diz o poeta, “cada um dá o que tem… quem nada tem, nada dá”.
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Todavia, há quem queira ou pense dar humor e distribui horror, preconceito e falta de senso. Talvez por excesso de arrogância, que é a auto estima atropelada pela prepotência. Talvez por descompensação cerebral, inversamente proporcional a outros atributos, como altura, circunferência ou capilaridade, por exemplo. Talvez por puro exibicionismo ou falta de desconfiômetro, mesmo – sensor indispensável da noção de limites. Ou tudo isso junto.
Vocês hão de pensar: que diabos esta mulher está querendo dizer?

Todo este prolegômeno é para introduzir a polêmica da semana na blogosfera: a piada, de gosto inclassificável do cequecista Rafael Bastos, bem na linha fazer-rir-a-qualquer-preço do programa que o projetou – O CQC/Band, que eu não vejo mais, por amor ao meu fígado. A revista Rolling Stones, que eu não leio, mas que recebi via Rede Mulher e Mídia, publicou entrevista a respeito. Mabel, amiga jornalista e feminista paraibana, enviou o link: A graça de um herege.
O rapaz, que é gaúcho, ganhou fama e ganha dinheiro fazendo graça, em São Paulo, inclusive no teatro. Num destes malfadados shows, achou que podia fazer rir fazendo apologia do estupro, “de mulher feia”: “Tá reclamando do que, devia é agradecer o estuprador”. Paro aqui.
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O artigo que transcrevo mais abaixo, publicado originalmente no portal do PT, diz tudo.
A Secretaria Especial de Políticas para Mulheres do governo federal, publicou nota de repúdio às piadas de mau gosto. Clique para ler.
O piadista terá que responder ao Ministério Público e à Justiça por apologia ao estupro e à violência contra a mulher. Representações nesse sentido já foram encaminhadas pela SPM, pelo movimento feminista e de mulheres.
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Qual é a graça?
Alessandra Terribili*
Umas das principais polêmicas da semana é a entrevista da revista “Rolling Stone Brasil” com o cqc Rafael Bastos. A matéria revela um trecho do show do comediante, em que ele diz, referindo-se ao estupro de uma “mulher feia”: “Tá reclamando do quê? Deveria dar graças a Deus. Isso pra você não foi um crime, e sim uma oportunidade.”
Ora, na mesma semana em que jovens de três estados foram detidos por atuarem num movimento que defende a legalização da maconha, acusados de “apologia às drogas”, as declarações de Bastos suscitam alguns questionamentos. Por um lado, os jovens mencionados estavam exercendo seu direito à livre manifestação de ideias, defendendo seu ponto de vista, disputando sua opinião na sociedade legitimamente.
De outro lado, Rafael Bastos, cujo discurso não tem nenhuma dessas características, não poderia ser acusado de apologia a um crime hediondo? Por que? Porque aquilo pretende ser uma piada? Porque ele só quer “desconstruir o politicamente correto”? Porque é famoso e ganhou carta branca pra dizer as barbaridades que quiser impunemente?
Há meios inteligentes, ou pelo menos, não tão vulgares, de pôr o “politicamente correto” em questão. Sugerir o estupro de mulheres e promover sua banalização não choca o moralismo, choca quem, há décadas, concentra esforços para denunciar e combater essa violência injustificável – que não é ficção, é de verdade, mais comum e mais impune do que se imagina.
Tratar estupro como piada passa por cima de tantas mulheres que o machismo já vitimizou por meio dessa arma cruel, legitima essa violência, conferindo-lhe o status de coisa qualquer, coisa da vida, coisa que acontece e pode ser tolerada. Esse é o texto implícito. Não precisa se dedicar muito pra entender.
Acontece que estupro não é piada, não é engraçado, não é tolerável e não há atenuantes. Banalizar esse assunto é tornar-se cúmplice dele. Não há meio termo. Aceitar rir de si mesmo é uma coisa. Rir de uma mulher estuprada é outra completamente diferente.
A quem quer caçoar do “politicamente correto”, que o faça sem brincar com o que não tem graça nenhuma. Indicar o estupro como “oportunidade” num texto humorístico não é bonitinho, nem engraçadinho, nem original, muito menos inteligente. É cruel, leviano, beira o fascismo. Atitudes como essa, travestida de moderninha e descolada, é o que de mais reacionário pode haver numa sociedade desigual como a nossa. Afinal, por que Bolsonaro é criticado quando fala sério, mas Rafael Bastos tem autorização pra falar “brincando”?
Violência contra a mulher é crime. Não tem graça. Não tem desculpa.
Alessandra Terribili é jornalista, militante da Marcha Mundial das Mulheres, integrante da Secretaria Nacional de Mulheres do PT.
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Leia também:
No Blog do Mello: O humor de Rafinha Bastos e a alegria dos ressentidos
No Blog da Cidadania: A Republica dos Canalhas
No Observatório do Direito à Comunicação: E se falarmos de “eticamente correto”?
COMENTÁRIO “CRIMINOSO, DOENTIO E IRRESPONSÁVEL!!!!
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Carta ao Programa C.Q.C pelo comentário inrresponsável, doentio e ofensivo sobre abuso sexual
http://pravocemulheratual.blogspot.com/2011/06/carta-ao-programa-cqc-pelo-comentario.html