por Sulamita Esteliam


Está instalado o faroeste no Vale do Aço mineiro, e o alvo principal são jornalistas. Em pouco mais de um mês, dois deles foram assassinados, e tudo indica que uma execução está ligada à outra. Depois do radialista e jornalista Rogério Neto, dia 08 de março, abatido a tiros em Ipatinga, no último domingo, 14 de abril, em Coronel Fabriciano, o fotojornalista Walgney Assis Carvalho foi morto a bala de 38. A mesma arma usada no primeiro crime. O assassino fugiu em um moto, como no caso anterior escaparam os atiradores.
As denúncias são de que por traz dos homicídios estão grupos de extermínio formado por policiais investigados por Neto em suas reportagens sobre o crime organizado na região. Walgney era seu parceiro nessas empreitadas free-lancers para o jornal Vale do Aço. Segundo o deputado Durval Ângelo, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, ele sabia quem eram os assassinos de Neto, e depôs a respeito. Saiba mais aqui, em matéria do jornal O Tempo, reproduzida pelo Sindicato dos Jornalistas de Minas; e também aqui, no Observatório de Imprensa.
A impunidade de um crime levou a outro. E põe Minas Gerais no mapa da violência contra jornalistas que, nos últimos tempos, coloca o Brasil um dos países mais perigosos do mundo para o exercício da profissão.
O Sindicato dos Jornalistas de Minas, que integra o Comitê Rodrigo Neto – formado por jornalistas do Vale do Aço que pressiona pela apuração e punição dos responsáveis -, publicou Nota de Repúdio contra o assassinato do fotojornalista. Nela exige do Estado “a intensificação das medidas de segurança para deter a violência contra a liberdade de expressão no Vale do Aço” – aqui
Semana passada, houve audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas, convocada por Durval Ângelo (PT), com a participação da presidenta do Sindicato dos Jornalistas, Eneida Costa. Durval deixou claro que o clima de intimidação e violência na região torna refém, inclusive, o Judiciário: “Existem juízes que têm medo dos policiais, outros são escoltados pelos próprios policiais denunciados”, afirmou o deputado.
Para Eneida, “é do conhecimento geral que quem comete esses crimes são bandidos travestidos de políticos ou de policiais. São elementos que usam suas posições para ficarem impunes” – mais aqui.
Está claro que Walgney Carvalho era testemunha-chave do assassinato do colega. Agora, o mais incrível dessa história toda é que o chefe do Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa, representante da Secretaria de Segurança de Minas, recomende cautela ao associar um caso ao outro, e tenha a desfaçatez de pedir aos jornalistas mineiros “que tenham muito cuidado”.
Francamente!
Transcrevo a nota do Comitê Rodrigo Neto, publicada pelo SJPMG e O Tempo:
CARTA À POPULAÇÃO
A execução do repórter-fotográfico Walgney Assis Carvalho, conhecido como Carvalho, freelancer do jornal “Vale do Aço”, instalou o terror entre os jornalistas do Vale do Aço. Diante do cenário de impunidade e da falta de segurança, os profissionais de imprensa estão perplexos e temerosos sobre quem pode ser a próxima vítima, já que desde o assassinato de Rodrigo Neto nenhuma medida foi tomada para responsabilizar e prender os culpados, o que torna todos, indistintamente, alvos fixos na alça de mira dos assassinos.
A situação torna-se ainda mais crítica se analisada sob o ponto de vista do cerceamento da liberdade de expressão, impondo o silêncio à bala, porque é um atentado explícito ao Estado Democrático de Direito, sem que as autoridades esbocem qualquer reação para impedir tamanha violação. Historicamente, sob o domínio do medo, os povos assistiram silenciosos a aurora dos regimes totalitários, o surgimento das ditaduras, o extermínio de povos inteiros. Claro, antes silenciaram os jornalistas. No Vale do Aço, estamos tendo um exemplo de como isso acontece. Trata-se de uma zona conflagrada, tanto quanto enclaves em guerra civil. Mata-se um, nada acontece, não há punição, o tempo passa e nem precisa ser muito tempo , mata-se outro, e por aí vamos, de tragédia em tragédia até a tragédia final. Todos assistindo passivamente, impotentes, fracos diante dos criminosos. Ninguém está seguro.
O Estado que nos cobra compulsoriamente os impostos do nascimento à morte não serve sequer para nos dar a segurança necessária para trabalhar na construção da sociedade livre e democrática que precisamos ter. Ao contrário, em muitos casos, treina e arma os assassinos que continuam à solta, sob a sua tutela.
Agora, o que se discute não é mais o motivo dos assassinatos. É até quando eles vão continuar impunes. É quem vai garantir a segurança dos jornalistas que precisam trabalhar para manter a sociedade informada.
Se o Estado não perdeu o controle da situação no Vale do Aço, onde os assassinatos de jornalistas e cidadãos comuns ocorrem quase diariamente e permanecem na impunidade, que as autoridades digam e demonstrem na prática quem está no controle da situação.
Nós, jornalistas e comunicadores, aterrorizados, psicologicamente arrasados com a situação e temerosos em ter que continuar a escrever os fatos com sangue de nossos pares, exigimos respostas, proteção e segurança.
COMITÊ RODRIGO NETO
****************************************
Postagem revista e atualizada às 22.12.