Quando tubarões e homens atacam

por Sulamita Esteliam
Placas como esta estão em toda a orla - são mais de 80 - SE
Placas como esta estão em toda a orla – são mais de 80 – SE

Pernambuco deveria hastear a bela bandeira do Estado, originária da Revolução de 1817, a meio-pau, nos dias que restam da temporada de férias de inverno. Há dois motivos suficientes:

I) uma garota de 18 anos, turista de São Paulo, acaba de virar estrela por conta de uma dentada de tubarão, na praia de Boa Viagem, logo após a pracinha onde foi plantada a igreja-símbolo do nascimento do bairro. Difícil imaginar que era o dia da moça-menina.

É a primeira mulher num grupo de 24 pessoas, dentre surfistas e banhistas, que tiveram na orla pernambucana seu último dia feliz. Desde 1992. Palavra do Cemit, o comitê estadual que monitora os ataques que chegam a 59 em Pernambuco, 23 dos quais na praia da capital.

II) em Garanhuns, no Agreste, um vocalista de banda, contratada com dinheiro público para o Festival de Inverno da Cidade das Flores, em curso, sugeriu aos rapazes, alto e bom som, que atacassem as mulheres: “Só respeitem as grávidas (ou foi as mulheres casadas?).  Podem meter o dedo no parreco, que elas querem dar. Podem meter o dedo que todo mundo quer foder …”

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Episódio I

A moça-menina paulista veio buscar sua estrela em férias com a família, que leva consigo o luto. O tubarão não estava em seu roteiro. Estaria em seu destino?

Há placas de aviso em toda a orla; todo turista faz questão de posar para uma foto de lembrança. No local onde a garota e família escolheram passar o dia, e a menina decidiu banhar-se, há três; uma delas com uma lista de atitudes a evitar. Três das recomendações: não tomar banho de mar além da linha dos arrecifes, com maré cheia e quando as águas estão turvas – mais aqui.

Nessa época do ano chove no Recife, e os céus têm sido especialmente pródigos em mandar água. O mar tem estado, constantemente, turvo, e os ventos fortes tornam as correntezas ainda mais traiçoeiras. É preciso respeitar a autoridade de cada ambiente e circunstância. E não esquecer a quem pertence o habitat.

E há um canal ao longo de toda a orla, que facilita a aproximação dos tubarões desalojados de seu berçário natural, em Suape. Sem falar dos empreendimentos imobiliários que se multiplicam exponencialmente à margem, aterro de mangues, poluição e todo o tipo de degradação ambiental. Tudo sob o olhar e atos coniventes dos poderes públicos.

Consta que os bombeiros guarda-vidas alertaram a banhista e a família sobre o perigo. Frequentadores nativos também. Guarda-vidas costumam ser bem enérgicos, sem perder a gentileza, disso sou testemunha nesses 16 anos de praia urbana. Banhistas da terra são vigilantes no mais das vezes; sabem quando e onde molhar além dos pés. Só posso especular sobre o que não vi, todavia.

Com água pelos joelhos, imagino, ela deve ter-se sentido segura para avançar de onda em onda. A correnteza agiu, e a menina quase se afoga, mesmo com a água ainda pela cintura – no intervalo das ondas, claro. É o que se depreende dos relatos publicados na mídia e nas redes sociais. Os guarda-vidas foram em seu socorro. O tubarão, porém, foi mais rápido e abocanhou-lhe a perna esquerda.

As imagens do ataque são fortes, mas estão aqui para quem quiser se arriscar. E aqui mais informações.

A garota foi socorrida, primeiro para a UPA Imbiribeira e só depois para o Hospital da Restauração, onde teve parte da perna amputada em cirurgia. E taí algo que eu gostaria de entender: por que a UPA, quando a vítima esvaía-se em sangue? E em quantidade tal, que terminou não resistindo …

Não há banalidade na morte. Ainda que costume dizer que ninguém vai de véspera, não dá para deixar de pensar que poderia ter sido evitado.

A família pensa em processar o Estado.

O Ministério Público de Pernambuco fez recomendação formal e diz que vai cobrar do governo estadual a proibição do banho de mar nas áreas de maior risco, por exemplo: em frente ao Edifício Acaiaca, ponto favorito da moçada, mas onde o mar é aberto; nas proximidades da Igrejinha de Boa Viagem, exatamente onde se deu o incidente, e onde a faixa de areia é bem estreita; e em frente ao Hospital da Aeronáutica, em Piedade, já no município vizinho de Jaboatão de Guararapes, que une mar aberto a faixa mais estreita de areia.

Se proibir, quem vai fiscalizar dia e noite?

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Episódio II

Aviltante é pouco para a história que o amigo Ruy Sarinho me envia, a partir do Blog do Roberto Almeida, que, por sua vez, buscou no Blog do Ronaldo, também de Garanhus e região. A denúncia é de uma mestranda em Estudos Literários da UFAL – Universidade Federal de Alagoas, em texto próprio e apropriado – regras de ortografia à parte.

Repito a frase que que transcrevi na abertura desta postagem. De acordo com a denúncia, teria sido brandida pelo vocalista Ortinho, da banda Querosene Jacaré :

“Só respeitem as grávidas (ou foi as mulheres casadas?).  Podem meter o dedo no parreco, que elas querem dar. Podem meter o dedo que todo mundo quer foder …”

O nome disso é apologia à violência sexual contra a mulher. Um ataque machista em praça pública, remunerado pelos cofres públicos. É claro que a Fundarpe/Secretaria de Cultura e/ou Prefeitura de Garanhus não escreveram nem previram enredo de tamanha desfaçatez de seu contratado. Mas não há desculpa possível para deixar passar em branco.

O Ministério Público de Pernambuco, também, está com a palavra. Certamente a Fundarpe tem o áudio e o vídeo, pois grava todos os eventos que patrocina. Então, o MP tem farto material para agir.

A coisa deu-se na noite do domingo, 20. Nesta terça, 22, a Coordenadoria de Políticas Públicas para Mulheres da Prefeitura de Garanhuns, se pronunciou: vai divulgar nota de repúdio e tomar “as providências necessárias para que um comportamento desrespeitoso e ultrajante, como esse, não fique impune”, informou ao Blog do Ronaldo Cesar.

É o que se espera.

 

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Postagem revista e atualizada às 22:32.,

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