por Sulamita Esteliam

Agora sem Copa para disputar espaços, fica mais evidente, para quem tem olhos para ver e ouvidos para ouvir. Muda a pauta, mas o foco é o mesmo: #valetudocontraDilma.
É o que Mauro Malin, editor adjunto do Observatório da Imprensa define como “contaminação do noticiário pela campanha eleitoral”. Curiosa surpresa explicitada no título: “Nem a reunião do Brics escapa”.
De acordo com o exercício de jornalismo comparado, só o jornal Valor escapa do “efeito manada, e fala mais sério”. Vide a imagem que capturei lá no OI.
E continua o articulista: “A patetada chega ao ponto de terem os três ditos jornalões usado o mesmo verbo e iniciado suas manchetes (mas será que isso é manchete?) com a mesmíssima construção, “Brasil cede”. A mensagem é: “Dilma deu mais uma mancada”. De uma sutileza comovente.”
Ora, ora, ora…
Copa e Brics à parte, não tem sido assim, desde sempre? E sobretudo nos últimos 12 anos, quando o poder de sempre foi levado à oposição pela soberania das urnas? Uma oposição competente ao ponto de a própria imprensa, como instituição, ser levada a assumir o papel, oficialmente.
Jornais e revistas praticam, mas não se declaram, como deveria quem cobra transparência de governos (alguns). Até agora, só Carta Capital o fez, repetindo postura adotada em eleições anteriores: declarou apoio a Lula em 2002 e 2006, à Dilma em 2010 e novamente em 2014.
Entretanto, recordar é viver: em 2010, a então presidenta da ANJ – Associação Nacional de Jornais, Maria Judith Brito, executiva da Folha de São Paulo, disse todas as letras (grifos meus):
“A liberdade de imprensa é um bem maior que não deve ser limitado. A esse direito geral, o contraponto é sempre a questão da responsabilidade dos meios de comunicação e, obviamente, esses meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada. E esse papel de oposição, de investigação, sem dúvida nenhuma incomoda sobremaneira o governo.” (O Globo, 18.03.2010)
Recuperei a preciosidade no próprio Observatório da Imprensa, em artigo assinado por Washington Araújo, mestre em Comunicação pela UnB, há quatro anos. Permanece atual. Vale à pena ler – aqui.
Essa imprensa “responsável” age como partido político, de há muito. Daí PIG – Partido da Imprensa Golpista, expressão criada pelo deputado federal Fernando Ferro (PT-PE) em 2005.
Inclua-se no rol as TVs e rádios, concessões públicas que carecem regulação, e sítios eletrônicos vinculados à mídia comercial. Mídia que Euzinha prefiro denominar venal.

De volta ao Brics, a sigla junta as iniciais dos cinco países emergentes, que se reuniram esta semana em Fortaleza: Brasil, Rússia, Índia, China e South América (África do Sul). Esses países somam PIB de R$ 16 trilhões, maior do que a Zona do Euro, e o equivalente a 19% do PIB global. Juntos representam 3 bilhões de pessoas.
Os Brics acabam de criar o NBD – Novo Banco de Desenvolvimento, com lastro de US$ 50 bilhões e fundo de reservas de US$ 100 bi, para suprir eventuais necessidades de socorro de países em desenvolvimento.
De alternativas ao garrote financeiro mundial, vigente desde 1944, se trata. Em outras palavras, maior independência do FMI e do Banco Mundial, satélites históricos dos interesses dos Estados Unidos e da, agora, União Europeia.
Não apenas é um salto na política externa brasileira, mas passo significativo “na construção de uma nova arquitetura de poder global”, escreve Saul Lebon, em editorial de Carta Maior: Quem é Brics e quem é Walt Street?
Portanto, o desdém da mídia, não só desconsidera a importância histórica da cúpula do Brics, em Fortaleza, dia 15, seguida pela reunião Brics/Unasul, em Brasília, na quarta, 16. Pode ser explicado pelas implicações no tabuleiro político mundial, regional, local.
A propósito, o jornalista e blogueiro Luis Nassif, especializado em economia, também faz observação interessante. Relaciona o fator Brics aos programas dos dois principais candidatos à Presidência da República, Dilma Roussef e Aécio Neves, o Primeiro Neto:
“Uma breve análise dos programas de governo que ambos os postulantes à Presidência apresentaram ao Tribunal Superior Eleitoral é suficiente para concluir que a política externa brasileira pode continuar seguindo a lógica dos acertos preferenciais com países emergentes ou mudar de rumo e priorizar associações a potencias econômicas lideradas pelos Estados Unidos. Dependerá dos resultados das urnas.”
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Mais sobre o Brics e o NBD:
Xô, abutres! Sobre um encontro histórico – José Renato Vieira Martins, professor da Unila – Universidade Federal da Integração Latino-Americana e vice-presidente do Formeco – Fórum das Universidades Brasileiras para o Mercosul
Quem tem medo do Brics – Roberto Amaral/Carta Capital
Dilma e o novo multilateralismo com o banco do Brics – Entrevista coletiva-Jornal GGN/Blog do Planalto
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