por Sulamita Esteliam
Neste 27 de outubro de 2016, há 1.177 escolas de ensino médio ocupadas em todo o Brasil, a maioria absoluta delas no Estado do Paraná. Talvez porque, ali, o desrespeito ao setor tenha feito escola nos últimos anos – com perdão do trocadilho infame.
Os estudantes universitários da UFPR também estão em greve geral, com o campus central e a reitoria ocupados – em solidariedade à garotada secundarista, que tem feito bonito e mostrado consciência cidadã e firmeza de propósitos.
Em outros estados, outras escolas, sobretudo institutos federais, e faculdades de universidades públicas também estão ocupados, solidariamente. E há uma greve nacional, de todas categorias profissionais, marcada para 11 de novembro.
A meninada saiu na frente. E não são poucos os que sofrem na pele as consequências do arbítrio, como se verá mais adiante.
Protestam contra a PEC 241, que tira recursos de políticas sociais, inclusive Educação e Saúde, já aprovada na íntegra em dois turnos na Câmara. Agora é a vez do Senado, que também deve votá-la em dois turnos, por exigência regimental, mas igualmente deve fazê-lo a toque de caixa.
Protestam, especialmente, contra a reforma do ensino médio goela abaixo, promovida pela MP 746, medida provisória do desgoverno golpista.
A validade é até 23 de março de 2017, prazo-limite para exame e votação no Congresso Nacional. Todavia, os senhores parlamentares querem liquidar a fatura até o fim de novembro.
Protestam contra a Lei da Mordaça, PL 867/2015, apoiado pelo desgoverno, que institui a “escola sem partido”, sem debate livre sobre questões como política, gênero, sexualidade e religião.
Os estudantes têm razões e pautas claras para ocupar, e seguir ocupando – no link, também o rol das escolas ocupadas, segundo a Ubes.
Aliás, motivos esplendidamente expostos pela garota Ana Júlia, de 16 anos, em depoimento na Assembleia Legislativa do Paraná, na quarta, 26.
O vídeo, postado pelo coletivo Jornalistas Livres, viralizou nas redes sociais.
Compartilho aqui, para quem eventualmente não tenha visto:
É mesmo para se orgulhar de meninas, de jovens, com essa coragem, consciência cidadã, capacidade de análise, articulação e mobilização. Particularmente quando os adultos, de modo amplo, se quedam paralisados.
Os pais dela, deles – e também os professores – devem orgulhar-se, e estão de parabéns, não só por apoiá-los. Mas os pais, sobretudo, sabem que educação de berço sempre faz muita diferença, e as exceções só confirmam a regra.
Ana Júlia enfureceu o presidente da Casa por esfregar na cara de suas excelências o sangue do menino Lucas Mota. O garoto, da mesma idade que ela, foi assassinado a facadas na Escola Estadual Santa Felicidade, na segunda-feira. As circunstâncias não estão esclarecidas.
Uma tristeza. Imagine a dor da mãe do garoto.
Mais uma vez, recorro ao coletivo Jornalistas Livres, que ouviu com exclusividade a professora de História e Sociologia, Salvina Ferreira, sobre a experiência de acompanhar a ocupação da Escola Santa Felicidade.
Ela fala sobre os cuidados dos alunos com a adesão e o ingresso na escola ocupada, sobre as atividades no dia a dia da ocupação. E afirma que o menino Lucas era um garoto tranquilo, que era parte do colégio há muitos anos, filhos de mãe participante.
Reportagem: Paulo Jesus para o Jornalistas Livres.
Como se vê, a meninada tem coragem, objetivos, protocolos de segurança, mas correm riscos efetivos. E o Estado é, sim, responsável.
Há denúncias de provocações e violência de adeptos do MBL – Movimento Brasil Livre, jovens desocupados de orientação fascista, que estão percorrendo as escolas, sobretudo no Paraná, para forçar a desocupação. Com a proteção da Polícia Militar. Clique para ver e ler no Blog do Esmael Morais, de Curitiba.
Agora o MBL, um bando de desocupados – financiado interna e externamente por gente atolada até o pescoço no golpe farsesco que derrubou uma presidenta legitimamente eleita -, é parte do Estado, instituição. Francamente!
Em Tocantins, no Mato Grosso, a violência contra os estudantes, a maioria menores de idade, se deu por parte da Polícia Militar, açulada por ninguém menos que um promotor público.
Partiu dele a ordem para a PM desocupar, à força, a escola, algemar e conduzir menores de idade para a delegacia de polícia – sem mandato judicial, sem a presença dos responsáveis, e à revelia do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente.
Olha só, a que ponto chegamos:
Antigamente, o Ministério Público resguardava a cidadania. Agora é agente da repressão e do arbítrio.
Jovens e adolescentes foram libertados no final da tarde.
Mas, recuamos à segunda metade da década de 60 até os anos 70 do século passado. A farsa da democracia violada pelo golpe nos recoloca no pior período do sistema vigente na última ditadura civil-militar.
PS: O A Tal Mineira chegou à conclusão de que há uma “mistura salina”, como diria minha saudosa tia Mundica, sobre a proposta de reforma do ensino médio, que até os próprios estudantes reconhecem que é necessária.
Então, qual é o problema? Há dois problemas graves: o primeiro é a forma autoritária; o segundo é o conteúdo, retirado do colete e, da forma que está, prejudicial à qualidade do ensino.
Para início de conversa são duas propostas distintas:
1) a MP 746, do desgoverno golpista, que pretende modificar também os repasses federais aos estados, responsáveis pelo ensino médio, alterando, para pior, as regras do Fundo de Manutenção Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação(lei 11.494 de junho de 2007);
2) a proposta oriunda da Comissão Especial formada na Câmara para debater e propor a reforma da LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9394 de dezembro 1996); trata-se do PL 6840/2013, cujo relatório está prontinho para ir ao plenário, mas cujo relator, Wilson Filho (PTB), concorda em mixá-lo, digamos assim, com a MP.
O A Tal Mineira trabalha para publicar matéria comparativa entre os dois projetos. À primeira vista, o da Comissão Especial da Câmara é menos pernicioso, e segundo o relator, tem sugestões de todos os lados.
Pergunto-me, como os estudantes, que já provaram que goela abaixo não desce, não sabem disso?
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Postagem revista e atualizada em 28.10.2016, às 11:19 h, hora do Recife: correção de erros de digitação e pontuação em diferentes parágrafos; inclusão de frases complementares do raciocínio nos parágrafos 16 e 22.