Nada é sagrado no capitalismo; portanto, nem no jornalixo ou na propaganda

Dona Marisa Letícia e Lula – Foto: Ricardo Stuckert
por Sulamita Esteliam

Sim, é lógico que a gente sabe que vive sob o capitalismo. Tanto quanto sabe que vive sob Estado de golpe permanente. O diabo é que nem sempre lembramos, que o capitalismo não tem pudor. Assim como no golpe, vale tudo, mesmo você achar que tudo não passa de fantasia.

Nada é sagrado, nada. Tudo é divino e maravilhoso, até brincar com a dor, a reputação, a memória, o luto, a morte alheia. Pois não é que o fazem a justiça midiática, o jornalixo e a propaganda de oportunidade?

Uma delação encomendada aqui, um depoimento forçado acolá, uma interpretação truncada e reverberada alhures. Uma capa de revista envenenada mais adiante, dezesseis minutos no JN, um anúncio oportunista coincidente.

E tome efeito manada.

Um Congresso sob pressão do tempo, na certeza de que sabemos o que eles fizeram no verão passado. Um desgoverno a serviço da lambança, os direitos do povo no tronco.

Tudo junto e misturado. Tudo naturalizado.

O ódio de classe embalado em ironias mercadológicas. Mentiras nas cores do arco-íris. Verdades escamoteadas nas trevas da manipulação.

Por isso, sou socialista.

Antonio Candido, 24.07.1918, Rio de Janeiro/12.05.2017, São Paulo

Por que o Socialismo, já dizia mestre Antonio Candido, encantado – a 12 de maio, aos 98 anos -, e portanto eterno, “é uma doutrina triunfante. O que pensam que é a face humana do capitalismo é o que o socialismo arrancou dele“.

Antonio Candido, o doce, elegante, simples e estupendo literato e crítico, sociólogo por formação. O Brasil de Fato, há coisa de seis anos, fez uma entrevista deliciosa com o professor. E lá está, uma tradução de Bernstein, a partir de Kant:

“O socialismo é uma finalidade sem fim. Você tem que agir todos os dias como se fosse possível chegar no paraíso, mas você não chegará. Mas se não fizer essa luta, você cai no inferno.”

E aí diria minha irmã Lili: “entendeu?”

Não? Então continuemos a tradução, pelo caminho do Brasil, e DeFato, que secciono para facilitar a leitura:

“O que é o socialismo? É o irmão-gêmeo do capitalismo, nasceram juntos, na revolução industrial. É indescritível o que era a indústria no começo. Os operários ingleses dormiam debaixo da máquina e eram acordados de madrugada com o chicote do contramestre. Isso era a indústria. Aí começou a aparecer o socialismo.

Chamo de socialismo todas as tendências que dizem que o homem tem que caminhar para a igualdade e ele é o criador de riquezas e não pode ser explorado. Comunismo, socialismo democrático, anarquismo, solidarismo, cristianismo social, cooperativismo… tudo isso. Esse pessoal começou a lutar, para o operário não ser mais chicoteado, depois para não trabalhar mais que doze horas, depois para não trabalhar mais que dez, oito; para a mulher grávida não ter que trabalhar, para os trabalhadores terem férias, para ter escola para as crianças. Coisas que hoje são banais.

Conversando com um antigo aluno meu, que é um rapaz rico, industrial, ele disse: “o senhor não pode negar que o capitalismo tem uma face humana”. O capitalismo não tem face humana nenhuma. O capitalismo é baseado na mais-valia e no exército de reserva, como Marx definiu. É preciso ter sempre miseráveis para tirar o excesso que o capital precisar. E a mais-valia não tem limite. Marx diz na “Ideologia Alemã”: as necessidades humanas são cumulativas e irreversíveis. Quando você anda descalço, você anda descalço. Quando você descobre a sandália, não quer mais andar descalço. Quando descobre o sapato, não quer mais a sandália. Quando descobre a meia, quer sapato com meia e por aí não tem mais fim. E o capitalismo está baseado nisso.

O que se pensa que é face humana do capitalismo é o que o socialismo arrancou dele com suor, lágrimas e sangue. Hoje é normal o operário trabalhar oito horas, ter férias… tudo é conquista do socialismo. O socialismo só não deu certo na Rússia.”

Devo acrescentar:

Sabe o que as Lojas Marisas disseram sobre a propaganda canalha, que usa a distorção de parte do depoimento do ex-presidente Lula pela mídia venal e pela Força Tarefa, fogueteira, na antevéspera do Dia das Mães?

Nada, publicamente.

Já no SAC, havia uma desculpa descabelada para a parte indignada da clientela. Incluo-me na massa. Liguei para cancelar o cartão que mantinha há anos, e aproveitar para saber se havia uma corrida de cancelamento. Havia.

A atendente tinha uma resposta pronta quando anunciei o motivo:

– Não foi a Marisa, senhora. Alguém colocou aquilo lá nas redes sociais, e a Marisa está tentando tirar, mas não consegue.

– Sério? Quer dizer que o sistema da loja foi hackeado? E por que a Marisa não divulgou nota oficial a respeito?

Aí ela gaguejou, disse que a supervisão havia reunido “todos nós” e dado “essa informação”.

– Não tenho os detalhes senhora. Posso chamar minha supervisora…

– Pois, chame!

Volta a atendente mais nervosa do que antes. A supervisora “não pôde” vir

– A senhora, por favor, reconsidere, não é culpa da Marisa…

(Ri. Não pude resistir ante o insólito da situação. Pensei que a pobre moça devia ter levado um passa-fora da chefe)

– A Marisa tem culpa sim, moça, porque ela contrata a agência, e já teve tempo suficiente para esclarecer o público e não o fez. Mas, em sua homenagem vou aguardar até amanhã para ver se há algum posicionamento. Se não acontecer, ligo de novo para cancelar o cartão.

Só voltei a ligar no início desta noite. Fui atendida por uma mulher com voz firme, que repetiu a pergunta de praxe:

– Qual o motivo do cancelamento, senhora?

– A propaganda-canalha do dia das mães.

– A senhora se refere à história do Lula?

– Sim, me refiro ao oportunismo sem-vergonha de distorcer uma situação…

– Mas a Marisa não se mete em política, não tem partido,  senhora..

– Olha aqui, querida, sou da área de Comunicação, sei como funciona. E as Lojas Marisa se metem em política, sim, quando liberam a sua agência de publicidade ou seu departamento de Marketing para desrespeitar o luto, a família, a memória de uma pessoa honrada, para tripudiar e fazer piada sem graça, e não se dá ao trabalho de explicar ou negar publicamente.

Toma partido, sim, e não é a primeira vez. Em 2002 usou a mesma tática para louvar Lula e dona Marisa noutro anúncio oportunista, para locupletar-se das benesses do poder.

– Então, a senhora confirma o cancelamento?

– Claro que confirmo. E sabe por quê? Vou aproveitar que está sendo gravado para deixar um recadinho: a direção da Marisa, na trilha da análise torta de seus marqueteiros, achou que a clientela “coxinha” aplaudiu a ideia.

Então, a “mortadela” aqui, cliente há 20 anos, não vai botar os pés mais nas Lojas Marisa, o que torna o cartão desnecessário.

A insatisfação não se limitou às redes sociais e ao SAC da Marisa. Em São Bernardo do Campo houve protesto em frente a loja – Foto: Jornalistas Livres

 

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Atualizado às 11:17: correções de erros de digitação aqui e acolá.

 

 

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