por Sulamita Esteliam
O salão do Oásis, clube da Santa Tereza tradicional, ficou pequeno para acolher a mulherada que foi ouvir Dilma Rousseff, candidata líder para o Senado por Minas Gerais. O que se viu foi uma Dilma iluminada, leve e solta. Minas está, de fato, fazendo muito bem à presidenta, a legítima.
O governador Fernando Pimentel, candidato à reeleição, lá esteve para a anunciar o compromisso de fazer das políticas públicas para mulheres e para a cidadania ampla a matriz de seu próximo governo.
Seu primeiro ato da gestão futura, uma vez reeleito, será agrupar tais ações numa mesma pasta, sob o comando da vice-governadora Jô Moraes.
Lá estavam a maioria das candidatas do PT e do PCdoB à Câmara Federal e à Assembleia Legislativa, e também Ana Alves, candidata do PCO, partido coligado, ao Senado.
Dilma apresentou-as, uma a uma, informalmente. Nomeou aquelas que memória favoreceu; repetiu o nome das demais.
Foi um evento para a militância, e podia-se contar nos dedos as pessoas locais e aquelas fora desse perfil. Talvez aí a explicação para a escolha do local.
Junto o vídeo com parte da fala de Dilma Rousseff, quando transmite recado do ex-presidente Lula sobre as eleições e a conjuntura brasileira; recolhido em sua última visita a ele na sede da Policia Federal em Curitiba.
A imagem está meio embaçada porque tive que usar o zoom, mas é importante:
Preciso costurar algumas palavrinhas sobre o que é o flanar em Santê – como é carinhosamente denominada pelas novas gerações – em ocasiões políticas.
Não sou “natural de Santa Tereza”- expressão-pergunta que está na boca de moradores antigos, sempre que se deparam com forasteiros abusados, que se sentem muito à vontade no torrão, como Euzinha. É que amo a noite, e portanto, o bairro.
Desfruto de sua energia, não obstante seu humor, nem sempre amigável.
Tenho uma amiga-irmã que é residente local, e parte da minha estada na Macondo de origem costuma ser ali.
Assim, desconfio o porquê da escolha das campanhas da esquerda mineira insistir em ali centrar esforços. O comício inaugural foi na Praça de Santa Tereza, há duas semanas. Tipo água mole em pedra dura…
O bairro, apesar da tradição cultural, e de abrigar a boemia e o desbunde artístico, é essencialmente conservador, para dizer o mínimo.
Já presenciei várias situações assemelhadas, mas, noite passada, pude experimentar o lado acre da hospitalidade Santê.
Em dado momento, já mareando, pois só havia almoçado e no início da tarde, dei uma escapada em busca de algo para comer. Para minha derrota, não havia sequer um vendedor de pipoca ou de água à porta do clube.
Atravessei a mini-praça a 50 metros na Salinas, na direção leste, em busca de um boteco, pois lanchonete não há. Vi que a Confraria estava aberta, com algumas pessoas em mesas na calçada. É local restrito a habituês escolhidos, o que sempre atiçou minha curiosidade.
Não resisti e os abordei, feito distraída, para ouvir da boca deles o grau de seletividade.
– Isso é um bar? Há algo que comer e beber?
Um grupo de vozes respondeu que não, todos os olhos voltados para meu bordado Lula Livre e os botons do PT e de “Volta Dilma” ostentado do lado esquerdo do peito.
Um idoso, um tanto mais velho do que eu, cara torcida, me apontou a placa que anuncia textualmente a exclusão de estranhos; mas poderia ser em sentido figurado. Algo como “Confraria de amigos – aqui não é um bar” ou coisa que o valha.
Segurei o riso diante da reação, e perguntei se havia um outro local em que eu pudesse saciar minhas necessidades imediatas. Apontaram para a esquina seguinte, não sem ponderar que “à essa hora” dificilmente encontraria algo para comer.
Agradeci e disse que “com a fome que estou, como até coxinha…” Não esperei para ouvir os comentários.
Conheço o boteco da esquina, de passagem. É apenas uma portinha com um balcão. Lá fora, mesas na calçada, como de hábito onde é boteco.
Havia pastel na vitrine, e língua ao molho como petisco de panela – mantida sobre o fogão. Escolhi a língua, recomendadíssima pelo casal que comia em pé no balcão.
O homem não me pareceu estranho, embora fosse incapaz de nomeá-lo ou mesmo dizer de onde poderia conhecê-lo. Ele se adiantou:
– Eu conheço você…
– Sério, de onde…!?
– Você tem um nome diferente…
– Sulamita.
– Isso! Já fui amigo do Nilmário…
– Então é isso, trabalhei com o Nilmário deputado federal. Fui assessora dele em Brasília…
– Meu nome é Zé Antônio. Nilmário me ajudou a fundar o PT de Ganhães.
A mulher dele se espantou com a informação. Não sabia que o marido havia fundado o PT de Ganhães com Nilmário Miranda.
– Stael, mulher do Nilmário, está lá no ato. Vou dizer a ela que encontrei você.
Conversa vai, conversa vem, eu precisava voltar correndo ou perderia a fala da Dilma. Não me deixou pagar a conta, que incluiu uma cerveja divida em dois copos para cada, e por mim degustada às pressas.
Saí achando que deveria ter jogado na loteria nesta segunda-feira.
Nesse dia, presenciei um acidente grave de trânsito, fui reconhecida por meu professor de Antropologia no básico da faculdade, e também por um homem gentil que continuo sem saber de quem se trata, embora ele tenha se apresentado.
De passagem pela Confraria, agradeci a indicação, e disse que havia comido uma língua maravilhosa. Aí, um dos confrades arrotou importância:
– Santa Tereza não tem mortadela não…
Ao que truquei, caminhando sem parar:
– Adoro mortadela!
– Santa Tereza não tem mortadela não, viu? Tem língua… – gritou o tal, pedindo um vale seis.
– Língua que não cabe dentro da boca, devolvi.
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Postagem revista e atualizada aos cinco minutos de12.09.2018: correção de errros de digitação e de pontuação