
por Sulamita Esteliam
O 29 de agosto celebra no Brasil o Da Nacional da Visibilidade Lésbica. É dia de expor, dar vez e voz às mulheres em sua diversidade sexual, seus direitos e escolhas – na vida social, sexual, pessoal. Encerra o agosto de ativismo, que tem outra data importante para o lesbianismo: o 19 é Dia do Orgulho Lésbico.
Convenhamos, não é condição fácil ser lésbica em qualquer lugar do mundo, que dirá no Brasil. Sobretudo nestes tempos sombrios.
O preconceito impõe violações de toda sorte aos seus direitos e à sua dignidade, à sua liberdade de ser, estar e amar. Isso quando não é alvo de homicidas por questões sexistas e, até, políticas.
Marielle, presente! Quem mandou matá-la!? Até hoje,quase ano e meio depois de sua execução, junto com o motorista Anderson Gomes, não se sabe.
Há centenas, talvez milhares de Marielles sob sete palmos, pelo simples fato de serem mulheres livres em suas escolhas de vida. E sexo é vida, gente!
Dossiê sobre lesbocídio no Brasil, elaborado pelo Instituto Patrícia Galvão, revela que o assassinato de mulheres lésbicas cresceu 237% nos últimos três anos. E aqui, também, o racismo se apresenta como fator de agravamento de risco: 57% das mulheres lésbicas mortas são negras.
A violência começa dentro de casa. Mas o preconceito é amplo, geral e irrestrito: se repete na rua, no trabalho, nas escolas, no atendimento à saúde, na segurança.
“Maria-Homem, sapatão, caminhoneira” são alguns dos epítetos pejorativos, usados à guisa de zombaria, para definir as mulheres que amam mulheres, lembra reportagem de Marcela Vianna para o Brasil de Fato/Belo horizonte.
Na minha Macondo de origem, as mulheres fazem do limão uma limonada, e vão para as ruas, nesta sexta-feira 30, exigir respeito na 15ª Caminhada da Visibilidade Lésbica – e sem apoio institucional.
Este ano, sob o lema “Meninas vestem lilás e meninas vestem lilás”, referência irônica à triste figura que ocupa a pasta da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos neste patético desgoverno. Lilás é a cor das lésbicas e do feminismo. O preconceito usa a cor como fachada.
Aqui no Recife, houve atividades institucionais, promovidas pela prefeitura neste 29 de agotos, sobretudo no âmbito da saúde. Ações dirigidas que seguem até 1º de setembro.
É que neste 29 começa na cidade o Ocupa Política, mobilização cara às mulheres, que também acontece até 1º de setembro, depois de passar por Belo Horizonte e São Paulo.
O evento é, na verdade, uma articulação nacional que estimula candidaturas coletivas. E aqui já produziu efeitos já na eleição passada: o Juntas é um mandato comum de cinco ao Legislativo Estadual.
Mas a história começou em Beagá, em 2016, com As Muitas eleitas para Câmara Municipal, e que repetiram o feito ano passado para a Assembleia Legislativa. O Marco Zero Conteúdo tem reportagem suculenta a respeito.
Para fechar, transcrevo a entrevista que Iyalê Thayrine e Monyse Ravena, do Brasil de Fato PE fazem com Rivânia Rodrigues, do Candaces – Rede Nacional de Lésbicas e Bissexuais Negras Feministas. O tema é lesbocídio – homicídios de mulheres por serem lésbicas.

Brasil de Fato: Como a data surge e como ela incorpora o calendário de lutas das mulheres lésbicas?
Rivânia Rodrigues: 29 de agosto é o dia que nós pautamos e visibilizamos as nossas sujeitas políticas. Essa data se consolida no Seminário Nacional de Lésbicas, no final dos anos 1990. Mas movimento lésbico não deve ser pautado só no dia 29 de agosto, porque nós somos lésbicas o ano todo.
O Instituto Patrícia Galvão lançou um dossiê sobre lesbocídio no Brasil, que aponta o aumento de 237% no assassinato de mulheres lésbicas no Brasil nos últimos três anos. Como você avalia esse dado?
Esses dados são muito tristes, mas, infelizmente, ainda vivemos em uma sociedade patriarcal, machista, racista, misógina, LGBTfóbica e a violência contra as lésbicas e mulheres bissexuais elas se dão muito no âmbito familiar, são seus pais, irmãos ou uma violência corretiva. Pernambuco tem um número muito grande de violência contra lésbicas que são os estupros corretivos. Eu também sou coordenadora do Fórum LGBT de Pernambuco e quando tivemos uma reunião com o secretario de defesa social, ele colocava da dificuldade de ter esses dados porque as pessoas não denunciam porque tem medo. Nós nos comprometemos a pensar uma linha de atuação. Nós fomos criadas em uma sociedade pra lavar, passar, cozinhar e ter medo dos homens e alguns homens acham que nós [lésbicas] somos pessoas que podem ser corrigida. E a sociedade branca e machista que vivemos faz com que as próprias mulheres tenham medo de denunciar. Esse dossiê é muito importante e dá subsídios. Aqui em Pernambuco não temos um mapeamento de quantas famílias nós somos, famílias LGBTs, essa discussão nós estamos travando com o governo do estado, inclusive a partir das conferências, como um espaço que podemos nos reportar e cobrar as políticas do governo. É preciso que saia do papel o que a gente cobrou como movimento social nas conferências, porque aí fazemos valer o controle social.
Como os órgãos oficiais lidam com essa violência de gênero?
Hoje o Comitê de Lésbicas e Bissexuais que é um comitê que está na estrutura do governo, dentro da Secretaria da Mulher. Uma coisa que esse comitê propôs e que nós avançamos é que nos boletins de ocorrência sobre violência contra a mulher, a delegacia precisa perguntar a orientação sexual e identidade de gênero da vítima, para termos ideias de números e políticas específicas. As denúncias só vão chegar se houver divulgação da Secretaria de Defesa Social de garantir que essas mulheres fiquem tranquilas para proteger essas mulheres. A LGBTfobia é muito forte e as pessoas têm medo de denunciar. Além disso, o poder público precisa ter um orçamento próprio para essas políticas, para o combate a violações. Outra coisa, quando não temos um conselho que funcione, fiscalize, monitore, cobre, fica ainda mais difícil. A gente não tem, por exemplo, em Pernambuco, uma política voltada para mulheres lésbicas e bissexuais. A gente sabe que seria importante uma política transversal a outras políticas de educação, saúde, desenvolvimento social cultura, aonde for. A gente tem avanços, em Recife, por exemplo, é o único lugar que existe um ambulatório específico para pessoas trans, bissexuais e mulheres lésbicas. O movimento social é importante para essas tarefas, precisamos avançar muito mais.
Há um perfil racial na violência contra mulheres lésbicas. 57% das mulheres assassinadas são negras. Como avaliar esse dado?
Quando se trata do recorte racial específico da mulher negra, a gente entende que nós, negras, fomos as primeiras a levantar bandeira do feminismo, do ponto de vista da nossa história. Na maior parte, nós lésbicas negras, enfrentamos desafios para chegar na universidade e no emprego. Então, dentro do movimento de lésbicas brasileiro, resolvemos nos organizar enquanto mulheres negras, por conta das nossas demandas específicas.
O dossiê também aponta que 50% dos casos se concentram em mulheres de até 24 anos, ou seja, mulheres jovens. Há uma questão geracional nessa violência?
A gente vê que é um ponto geracional e é a falta de uma política estadual, mesmo. Isso passa pela saúde mental, falta de emprego… Há muito de violência contra as meninas jovens, por isso a gente precisa fazer seminários, conversas educativas, formação… Dentro do extermínio da juventude negra, também está o extermínio dessas jovens lésbicas.
Edição: Monyse Ravenna