por Sulamita Esteliam
O Brasil dos horrores podia passar sem mais essa: na véspera do dia em que se celebra a Consciência Negra, uma demonstração crassa de selvageria, racismo, machismo, intolerância e desrespeito em plena Câmara dos Deputados, que em tese seria a casa do povo. Sinal dos tempos.
Assista ao vídeo:
O deputado é o Coronel Tadeu, do PSL paulista, o partido que acaba de ser deixado pelo capiroto, eleito sob a legenda de extrema direita como ele.
Não vou postar aqui o vídeo postado por ele em suas redes sociais, em que ele se jacta da agressão, no momento em que retira da parede um cartaz contra o racismo. O poster reproduz uma charge do cartunista Latuff, já publicada, há tempos, aqui no A Tal Mineira.
“Isso aqui o vai ficar na parede, isso aqui é contra a polícia. A polícia está aqui para defender a sociedade. Eu vou queimar esse cartaz que não deveria estar aqui .”
No Twitter, Latuff comentou o vilipêndio:
“Agressão de um policial militar, que por acaso também é um parlamentar, contra uma de minhas charges exposta no Congresso Nacional e que denuncia a violência policial, nos leva a seguinte reflexão. Se fazem isso contra um cartaz, imagine contra gente de carne, osso e pele negra!”
Parlamentares dos partidos de esquerda registraram um BO contra o vândalo e prometem representar contra ele no Conselho de Ética da Câmara. Vamos combinar que a atitude dele não só é racista mas configura quebra de decoro.
Fizeram mais:
pedir que se apure se os deputados Coronel Tadeu e Daniel Silveira, do PSL, cometeram o crime de racismo. Diz o documento:
“O racismo, promovido e incentivado pelos parlamentares representados, demonstra a face mais perversa da lógica colonial”.
David Miranda (Psol-RJ), Talíria Petrone (Psol-RJ), Benedita da Silva (PT-RJ) e Áurea Carolina (Psol-MG) requereram as imagens do Coronel Tadeu quebrando a placa, e querem a recolocação da imagem na exposição Trajetórias Negras Brasileiras, realizada pelo movimento de mulheres, instalada nesta terça no corredor que liga o plenário da casa ao AnexoII, naturalmente que com autorização da mesa diretora.
Cabe à Corregedoria da Câmara analisar. O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia classificou o ato como “muito grave”. Para ele, “hoje não é um dia que marca de forma positiva a nossa Casa.Muito pelo contrário”.
Indiretamente, Maia também puxou as orelhas de outro colega, este do PSL do Rio de Janeiro – o mesmo que quebrou a placa da Rua Marielle Franco, ainda na campanha eleitoral, que celebrou o ataque:
“Hoje aconteceu com uma exposição em relação à Consciência Negra, amanhã pode acontecer com aqueles que riram, aqui, achando que estão defendendo o Coronel Tadeu. E não estão.”
Não mesmo, presidente. E o que se espera que se tome atitude necessária para não jogar pra baixo do tapete verde esse absurdo.
O que se vê, também, é a contemporização. Na mesma entrevista coletiva, Maia amaciou:
“Então, espero que um ato como esse, certamente impensado em um momento de mais nervosismo do deputado, que isso não repita porque isso não é bom para uma Casa que pensa em representar a todos os brasileiros e não a parte deles.”
Todavia, se depender do deputado-agressor, a recomendação do presidente da Câmara não tem qualquer valor. Em entrevista à coluna da Bella Megale, no Globo, ele afirma que faria tudo de novo:
“Arrependido?
Arrependido? Eu acabei de defender 600 mil policiais militares que estavam sendo acusados, por meio de uma imagem, de executores, assassinos, homicidas. Não tô arrependido não.
Repetiria o mesmo ato?
Não há problema nenhum, eu espero que eles não coloquem novamente esse cartaz lá. Senão eu vou ter que tirar. Isso é um atentado. Uma instituição que cede espaço para atacar outra instituição? Não pode. “
Os fatos contrariam o coronel-deputado, inclusive a conclusão do inquérito policial que apura as responsabilidades do assassinato da menina Agatha, no Rio de Janeiro: a PM de Witzel matou a garota, que estava numa kombi com a mãe, a caminho da escola. Não por acaso uma menina negra.
Além do que, dados mais recentes sobre homicídios no Brasil escancaram jovens negros como as principais vítimas, e boa parte dos crimes é cometida por policiais militares, em serviço ou fora dele. Inclusive São Paulo, o estado que o coronel representa, é o estado com a maior proporção de mortes por policiais sobre o total de crimes violentos: 19,5%, em 2017, de acordo com estudo da USP e o Fórum Nacional de Segurança Pública, em parceria com o G1.
Veja aí o resumo do Atlas da Violência 2019 publicado pelo Ipea, com dados relativos a 2017, mas é um histórico que se repete ano após ano:
Fecho com o vídeo com o discurso emocionado e emocionante da deputada Benedita da Silva (PT-RJ), postado pelo amigo Rogério Tomaz Jr. no Twitter. Ela diz
“Foi um tapa na cara de cada um de nós negros. Nos colocaram no tronco, novamente”.
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