por Sulamita Esteliam
O espírito maligno do desgoverno não perde a oportunidade de expor-se ao ridículo, de mostrar o quanto pode descer fundo nas trevas, na escala da desumanidade, da estupidez galopante.
Se o propósito, e creio que deve haver algum, é mostrar-se ridículo e insensível a qualquer coisa assemelhada a gestão, desta vez conseguiu superar-se.
A imagem de um homem armado, em meio a um capinzal, é tudo, menos a imagem da agricultura familiar, que é quem produz 70% dos alimentos que vão para as mesas brasileiras – aquelas onde há o que comer.
Pois, doravante, não há mais dúvida sobre o que o desgoverno pensa sobre o tratamento a ser dado nos conflitos de terras no Brasil profundo.
A nota de indignação da ONG Ação da Cidadania, que transcrevo mais abaixo, usa a expressão mais certa diante de tamanho escárnio: “É estarrecedor!”
Detalhe não menos importante: a foto foi comprada à agência internacional, e retrata um caçador na África do Sul. Recebi o print pelo zap-zap. Postei no Twitter e compartilho aqui:
Do outro lado dos rifles, estão indígenas e quilombolas brasileiros
por Rodrigo “Kiko” Afonso* – no sítio Ação da Cidadania
A estarrecedora imagem postada pela SECOM do Governo Federal com um homem segurando um rifle ao invés de uma enxada no Dia do Agricultor só demonstra a forma como este governo encara a zona rural: um campo de batalhas.
Na ponta daquele rifle retratado na postagem estão os indígenas, os quilombolas, os ribeirinhas e os pequenos produtores que lutam dia-a-dia pela sua sobrevivência enquanto o agronegócio avança em cima de suas terras, com agrotóxicos e espingardas.
Para além do absurdo da imagem, está a desfaçatez do texto, que, em mais um exercício de pós-verdade, tenta colocar o Brasil como um exemplo de segurança alimentar. Nosso país vive uma inflação com subida de preços no setor de alimentos de 15,26%, sendo que, dentre estes alimentos, os cereais (arroz, feijão etc) tiveram aumento médio de mais de 30%, a carne mais de 35% e o óleo mais de 55%.
Tudo isso com o Bolsa Família com o valor congelado desde 2016; e o aumento real do salário mínimo revogado pelo governo federal.
O aumento da promessa de investimento não significa execução real deste montante. O fato é que os recursos destinados totais diminuíram de 2014 a 2020; e o pequeno produtor sofre cada vez mais com a falta de políticas públicas que possam garantir preços para produtos que a população consome verdadeiramente, como o arroz e o feijão.
Em suma, temos um governo que acha que exportar soja e milho para alimentar principalmente gado, suínos e aves é segurança alimentar para o povo brasileiro. Ou seja, tal mentalidade demonstra claramente o seu total desconhecimento sobre a fome no Brasil.
Rodrigo “Kiko” Afonso é Diretor Executivo da ONG Ação da Cidadania