Digressões sobre a trapaça

por Sulamita Esteliam

Há quem questione a legalidade da cassação do registro da candidatura do deputado Deltan Dallagnnol, ex-coordenador da Lava Jato. Não jogo nesse time, embora considere factível a possibilidade de mau uso da interpretação judicial.

Bem que tenho tentado passar ao largo desses assuntos; ainda não me desintoxiquei dessas duas décadas de embates constantes no tapetão; não nos esqueçamos da Ação Penal 470 – o chamado mensalão, que não houve, nas palavras do Mino Carta.

Assim, é-me inevitável o tricotar do caso em pauta: é como regurgitar o veneno.

Lembram-se da Lava Jato? Aquela operação eterna que prometia limpar o Brasil, mas se revelou verdadeiro esgoto jurídico e, portanto, poço de mentiras, manipulações, traições e ilegalidades, guilhotina dos direitos humanos, do patrimônio e da vergonha do país.

E que ainda não acabou… Tem muito Tacla Duran pela frente, a apontar os subterrâneos da lavanderia, e um TRF-4 para se neutralizar.

Não tenho formação jurídica para lacrar quem está com a razão, na cassação do registro da candidatura, e portanto do mandato, do ex-coordenador da Lava Jato, o breve deputado federal.

Será o desembargador Benedito Gonçalves, relator-arquiteto da condenação endossada por unanimidade pelo colegiado do TSE? Ou serão juristas e analistas que imaginam um possível uso futuro do que seria a brecha legal para bloquear promotores honestos ou bem intencionados.

Sou jornalista, lido com fatos. Sou cronista, observo a paisagem e o contexto, e os interpreto à luz do que me parece e/ou apetece. Sou militante, e me dou o direito de achar pouco e bom o que os fatos apontam, no arcabouço e liames da informação: a conta chegou.

Antes tarde.

Ironicamente, fruto de descuido ou excesso de esperteza de quem se dispôs driblar as consequências em proveito próprio. Tome-lhe! 

Dallagnnol manipulou para ser candidato e se deu mal: exonerou-se do cargo de procurador para fugir à Lei da Ficha Limpa, aproveitando-se da morosidade do Conselho Nacional do Ministério Público para julgar seus 15 processos pendentes, que em escala de agravante, certamente o tornariam inelegível.

E ele queria ser candidato, tanto que não só o foi, como se elegeu. O que o ex-procurador federal não levou em conta foi a pendência dos recursos que ele próprio impetrara contra sua condenação em dois outros processos julgados pelo próprio CNMP.

E o que está posto é: a “pendência” foi suficiente para o enquadramento na Lei da Ficha Limpa, pela qual ele tanto se empenhou. E agora ele se esconde como rato na toca, para não ser citado. Risível, pois não escapa do Diário Oficial da União.

A Câmara, no interpretar da mídia conveniente, arrota valentia, mas de fato tem papel técnico no episódio: examinar se o réu teve respeitado o devido direito de defesa. 

É no detalhe que o diabo mora. Não há messianismo, encenação, pantomima, choro e ranger de dentes que possa alterar o simbolismo da sentença, embora caiba recurso junto ao STF para transitar em julgado. 

Denota-se que o TSE agiu celeremente, destarte. Não foi o caso, por exemplo, com a fraude do golpe na presidenta Dilma Rousseff, na prisão indevida de Lula por 580 dias para impedir sua candidatura, do investimento na candidatura do Coisa-ruim, de olhos fechados para os trambiques e abusos eleitoreiros.

Tudo isso nos trouxe ao fundo da pocilga-Brasil, com todo o esforço e empenho da força-tarefa coordenada pelo senhor Dallagnnol, em conluio com o ex-juiz vulgo marreco.

A euforia, porém, é má conselheira e tem levado a excessos, também do lado de cá. É preciso cuidado com o compartilhamento do que parece ser informação. E aproveito para fazer aqui a mea culpa.

Euzinha mesma fiz leitura apressada, compartilhei, fui alertada, questionei a rede; mas dei o benefício da dúvida e rapidamente exclui a publicação no Instagram. Só depois do vacilo fiz o dever de casa, chequei.

Refiro-me a uma suposta reprodução de diálogo entre Dallangnol e o ex-juizeco Sérgio Moro, que escancara a armação do promotor com o juiz para impedir a candidatura Lula e cita dois veículos-chave no processo de  esculhambação do PT.  Por que a imagem foi montada, não vou reproduzi-la aqui. 

A Agência Lupa de checagem apurou junto ao portal Intercept Brasil, que liderou o grupo de veículos que divulgou as trocas de mensagens entre os operadores da Lava Jato e o juiz; conversar que estarreceram o mundo jurídico, político e jornalístico – o lado que leva a ética profissional a sério. 

Confirmou que a imagem não está entre as conversas divulgadas pela série de quase 100 reportagens sobre os desvios da força-tarefa e do ex-juizeco, a partir de arquivos de denúncia anônima, então, que as subsidiou. Também não foi produzida nem divulgada pela equipe à época ou posteriormente. Portanto, é falsa. 

Vou e volto: uma coisa é a imagem que circula pela internet, que inexiste como tal. Outra coisa é o conteúdo, manipulado e sintetizado a partir de informações reais. O assunto incomoda, é certo; até porque a carapuça se encaixa em variados personagens.

O ex-juizeco teve suas sentenças anuladas pela Suprema Corte, vendeu-se por um cargo nas entranhas do poder, foi defenestrado, conseguiu ressuscitar-se pelo voto, porque sempre há quem não escute a voz da razão.

Mas agora é mais um a se tremer ante a possibilidade de ter o mesmo fim que o coordenador da força-tarefa, desmoralizado – por enquanto.

E a mídia venal que amplificou a patranha ficou nua e agora finge de égua para não passar recibo. E tem até agência de checagem para chamar de sua.

Reproduzo algumas das reportagens cruciais do Intercept Brasil, que desnudou as entranhas mal-cheirosas da Lava Jato, que não me deixam mentir, e esclarecem o digo, bem ou mal.

Sergio Moro, enquanto julgava Lula, sugeriu à Lava Jato emitir uma nota oficial contra a defesa. Eles acataram e pautaram a imprensa.

O namoro entre a Lava Jato e a Rede Globo

Leia os diálogos de Sergio Moro e Deltan Dallagnol que embasaram a reportagem do Intercept

O jornal GGN, pela lavra da colega Cíntia Alves, reúne em 10 pontos cruciais as principais violações de Sérgio Moro. O ex-juizeco que fez da Lava jato escada para o posto de ministro da Justiça do Coisa-ruim e para o mandato de senador da República; este, como aquele, cadeiras de pernas quebradas, pois que fundamentadas na trapaça, na imoralidade.

Se há justiça, Moro é o próximo da lista, em provocação do próprio partido do ex-chefe, ação que contempla também sua “conja” inspiradora e cúmplice, eleita deputada.

Na verdade, se gritar em meio à turba da extrema-direita que infesta o Congresso Nacional, não fica um nem uma.

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PS: Tenho boas notícias: os exames revelaram que o glaucoma ainda não se instalou em meus olhos. O risco se mantém, entretanto, obrigando-me a controle semestral e ao uso contínuo de colírio, apenas lubrificante. Sei preocupei muita gente com a minha agonia. Passou, obrigada.

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