Brincadeira sem graça…

por Sulamita Esteliam

Semana passada tive tanta dor nos olhos que passei longe do computador. Não bastasse o noticiário caótico; e a piração das ideias, que andam quicando e se embolando feito novelo em brincadeira de gata.

Tudo isso tem me causado sérias dúvidas sobre minha capacidade de olhar e enxergar o o mundo com propriedade.

E agora volto a me preocupar com a saúde da minha visão, que sempre achei nunca foi problema para além da fotofobia.

Descobri meu lado morcega, 40 anos atrás, eu que me queria vagalume. A revelação veio junto com a necessidade de controle oftálmico periódico, a cada seis meses, por conta do uso contínuo de cloroquina para tratamento de lúpus, doença autoimune.

Sim, a cloroquina usada amiúde, sem o devido acompanhamento oftalmológico, pode levar à cegueira; só os irresponsáveis e desavisados não sabem disso. E olha que era a opção “menos danosa”, à época; as outras eram talidomida ou corticoide.

Usei durante 15 anos, mas devo dizer que pulava os meses em que não tinha controle médico. Ou seja: tomava 40 cápsulas de seis em seis meses, isso por minha conta e risco.

Claro que não contava ao doutor ou à doutora: meu corpo, minhas regras.

A ojeriza a fármacos é natural: desde a infância me entopem de remédio, por conta de sucessivos problemas de pele. Tive coma analgésica aos 15 anos e tomei tanto antialérgico, dos 9 aos 16 anos, que era para não saber nunca mais o que é coceira ou erupção.

Aí, aos 32 anos, veio o diagnóstico de LES – Lúpus Eritematoso Sistêmico, e a condenação a tomar medicação pelo resto dos meus dias. Só que não. Prometi a mim mesma que me tornaria compêndio.

Curei-me do lúpus, contrariando a ciência: há 23 anos não tomo qualquer medicamento, e há mais de 23 anos não tenho crises nem os exames de sangue mostram quaisquer anomalias. Não foi mérito somente meu, acredito.

Gosto de pensar, e já escrevi sobre, que minha mãe levou com ela, a meu pedido. Uma troca de camaradagem: eu cantei para ela, à beira do caixão – havíamos combinado, desde a infância -, e dona Dirce se entendeu lá com o Altíssimo para me livrar das perebas; amém.

Dia 1º de junho, quando o ponteiro cruza a primeira hora da madrugada, faz 23 anos do encantamento da dona Dirce. Minha valente e inesquecível mãe.

Minha dificuldade de encarar a luz tem sido testada ao limite, bem sei. Ossos do ofício. E me desafia a agir preventivamente: aprender a me articular mentalmente para ditar os textos a um gravador ou aplicativo do gênero. O maridão não me cansa de recomendar.

A causa do dano pode ser rastro, não necessariamente químico. Pode, sim, ser genético: duas tias, da parte materna, que se encantaram aos 90-91 anos, já não viam mais a luz material; uma prima, filha de uma delas, sofre glaucoma em estágio avançado e outros males da visão.

Todavia, por enquanto é apenas suspeita, anunciada ano passado, e que me deixou à beira do pânico. Submeti-me a novos exames esta semana, uma manhã inteira de testes para lá e para cá; na próxima, tenho consulta com a oftalmologista e saberei o diagnóstico.

Enquanto isso, uso colírio quatro vezes ao dia – lubrificante, não alucinógeno – e escrevo para aliviar a pressão na cabeça e o concerto de alfaia no peito.

Ao menos estou viva, e dou graças.

E aquele menino-deputado carioca, de 37 anos, tão cheio de vida, boas intenções e hábitos decentes, que partiu numa nebulosa de livramento… Muita luz para você, David Miranda!

E por falar em graças, obrigada, Rita Lee, por tornar nossa juventude possível até a eternidade. Faça boa viagem, não tenha pressa em voltar, e se aportar por aqui de novo, torne mulher, esse bicho esquisito, mas cheio de graça, capaz de fazer um monte de gente feliz.

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PS:

Antecipo-me ao 26 de maio, que é Dia Nacional de Combate ao Glaucoma: doença que afeta a cabeça do nervo ótico, com perda do campo visual e aumento da pressão intraocular.

Foto de abertura capturada na internet: nervo ótico normal, com glaucoma instalado e com glaucoma em estágio avançado.

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