Democracia resgatada: é o título

por Sulamita Esteliam

Estivemos à beira da implosão, é a verdade inabalável, e que não pode ser esquecida. O sequestro da democracia não se consumou – por pouco, muito pouco…

Fomos salvos pela inteligência emocional e agudeza de espírito de uma mulher: a primeira-dama, Rosângela da Silva, a Janja: “GLO* não. É tudo o que eles querem, tomar conta do governo”. E, claro, pela presteza das providências acionadas pelo governo recém-empossado, a partir daí.

O que se apurou em um ano da tentativa de golpe do 8 de janeiro não deixa dúvidas: a democracia foi, sim, abalada. No cruzamento do que diz o título da cerimônia político-institucional no Congresso Nacional, na segunda, para azeitar a memória dos horrores daquele domingo de janeiro.

Inclusive, há um documentário com imagens dos bastidores, dirigido pela jornalista Julia Duailib, apresentadora da Globo News,  e Rafael Norton. Estreia dia 10 no canal aberto da TV Globo, após o BBB: 8/1 A Democracia Resiste .

Foi produzido a partir de 500 horas de imagens de câmeras de segurança da barbárie daquele domingo na Praça dos Três Poderes. Link ao pé da postagem.

O resgate rápido e eficiente do comando, inclusive com a intervenção na Secretaria de Segurança do Distrito Federal, frustrou o golpismo. Contribuiu a covardia do que deveria ser o comandante-mor, que atiçou o golpe e fugiu para Miami. Restou fera engolindo fera.

Está claro, no entanto, o que é fundamental – e releio Criolo, a quem credito a ideia: impunidade (penalidade) não é loteria. 

Redigo frases da única crônica que escrevi há um ano, em janeiro, aspas desnecessárias: tentaram impor o caos e foram repelidos. Têm que pagar pelo vilipêndio: os agentes, os financiadores e os orquestradores, civis e/ou militares.

Alvorada, minha gente, que beleza!

Os ovos da serpente estão aí, chocados nos ninhos do fascismo espalhados Brasil e mundo afora. Repito: por que nada será como antes, amanhã ou depois de amanhã, como naquela canção do Bituca e do Beto Guedes de, de 1972, em plena ditadura, que tentaram reviver.

Torno a escrever: o dique da opressão ancestral foi rompido, e que delícia ouvir o vozeirão da ministra da Cultura, Margarete Menezes, entoar o Hino Nacional, acompanhada pelo grupo instrumental Choro Livre.

Mas é indispensável atenção e vigilância permanecentes para impedir que os filhotes da cadela em desvario se multipliquem e se animem a mostrar os dentes de novo. Pisa, pisa ligeiro!

Esse tom de alerta esteve presente em todos os discursos das autoridades dos três poderes durante a solenidade “Democracia Inabalada”, que lembrou o 8 de Janeiro.

Lula bateu forte e tirou onda, como bom pernambucano, relembrando sua trajetória de quem mais perdeu e mais ganhou eleições neste país, o que provaria a vitalidade do nosso sistema eleitoral. Viva Lula da Silva!

E até sugeriu que a hoje oposição, eleita sob o sistema que critica, renuncie a seus mandatos; e o Coisa-ruim, nomeado recentemente  “titica” pelo presidente, determine que seus filhos parlamentares façam o mesmo.

Ô glória! Quem não pode com a política e com a alegria, não carrega o estandarte.

Temos o Congresso Nacional por testemunha, com a Constituição Cidadã encimando a rampa, e ao rés do chão, a convicção, esta sim inabalada, de que a democracia vale à pena: agora sem as grades que o cercaram ao longo do último ano, barreira simbólica contra o abalo provocado pela turba baderneira patriotária.

Uma réplica gigante da Constituição Federal também foi colocada à entrada do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal. Deixa claro que é a Constituição a bíblia que rege a democracia republicana. O Estado é laico, o mais é terraplanismo.

Contudo, o resumo da ópera é: todos presos, no cárcere ou na tornozeleira; menos os mandantes e financiadores. Mas a hora há de chegar, tem que chegar, a despeito de todas as intenções de apazigamento.

Perdão não é cimento da paz que não podemos querer para tentar ser feliz – e viva o Rappa! Esse caminho vai dar no breu: está aí a anistia ampla e irrestrita para não nos deixar esquecer.

A oposição eximiu-se de comparecer à cerimônia de exaltação à democracia – e o super idiota Zema foi supremo: estava em Brasília, não compareceu, e ainda se justificou, pateticamente afrontoso.

Democraticamente, ele e os parlamentares de mesmo jaez, criticam o tom “político” do evento. Reverenciam, não obstante, o regime e o sistema sob os quais exercem seus mandatos: a danada da política conectada ao voto. Mais do mesmo no jogo de picadeiro.

No frigir dos ovos, contaram-se 18, mas foram 15 os governadores ou vice presentes. Fátima Bezerra, que governa o Rio Grande do Norte falou em nome de todos.

Importante a conexão entre o discurso de Lula e do ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE, no que toca o imperativo de regular as plataformas digitais: as redes sociais são um serpentário em estado de permanente de gestação de mentiras e inoculação de ódio que engendraram a última  – e que assim seja – tentativa golpista.

Enfim, o 8 de janeiro já é parte da História, nossa história eivada de golpes e autoritarismo. A começar pela primeira Constituição, escrita do livre arbítrio do poder imperial, dispensado do trabalho os senhores congressistas, a quem coube o referendo.

Nossa Republica também se fez de rasteira usurpação do poder imperial pelos militares. Entretanto, os livros de História concedem registrar o início da nossa jovem democracia com o fim da Monarquia.

É bom lembrar, aliás, que dos 201 anos de Brasil como estado-nação independente, menos de um terço – 55 anos ou  27,5% da sua existência – foram vividos sob regime democrático. 

O mais foram governos ditatoriais gestados em golpes civis-militares ou parlamentares, sob imposição militar – vide a fraude do impeachment usado para depor Dilma Rousseff.

Daí que é inesquecível – e foi lembrando por Lula e outros oradores – o gesto de união em defesa do Estado Democrático, com a República de braços dados, junto com os 27 governadores, descendo a rampa para cruzar a pé a Praça dos Três Poderes.

Gesto que traduz e põe em prática a frase de encerramento do discurso de Lula, repetindo o fecho do discurso na cerimônia de posse no Congresso Nacional:

– Democracia para sempre!

E que seja eterna enquanto dure.

*GLO – Garantia da Lei e da Ordem: dispositivo excepcional para conter uma crise de segurança pública, executada pelas Forças Armadas.

Fotos abertura: Ricardo Stuckert e Rubens Gallerani Filho/Audiovisual PR

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Com

Terra: O que é GLO e por que Janja não quis que Lula a assinasse em 8 de janeiro

GGN: Nos bastidores, o clima é de “apaziguamento” com os militares golpistas, diz Julia Duailib

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