por Sulamita Esteliam
“Precisamos questionar a autoridade e não obedecer cegamente como ocorreu na Alemanha. Devemos nos opor aos que são contra o amor e a alegria. Não podemos desistir”.
Edith Eger, psicóloga, sobrevivente do Holocausto de Judeus pelos nazistas
E chegou mais um Março, depois de um fevereiro mais comprido, ainda que com folia pipocando no meio do caminho, quente como nunca dantes, e cheio de espetáculos difíceis de se crer; daqueles que fazem a gente botar a mão no queixo e dizer, nordestinamente: – Mas, meniiino…
Tarefa inarredável apontar a real para a qualidade de vida das mulheres; sobretudo aquelas sobreviventes da violência, seja ela doméstica, dita amorosa e sexual, seja decorrente de descaso ou prática institucional, seja fruto do racismo, sexismo, da homofobia que permeiam as relações sociais ou mesmo o chamado “amor romântico”.
Aliás, neste quesito, a psicóloga e escritora Juliana dos Santos Soares, que vem a ser uma das filhas do coração, escreve sobre o assunto em um dos capítulos do livro Sexualidades, Corpos e Poder – desobediências criadoras, organizado pelas parceiras em psicodrama Maria da Penha Nery, Anna Cláudia Eutrópio e Laura de Souza Zingra Romero.
Acaba de sair do forno. Recomendo a todas as mulheres. À venda na Amazon e no site do Grupo Summus. Link ao pé da postagem.
E para quem mora em Belo Horizonte, a capital das Gerais, Juliana mantém um grupo terapêutico interessante, que dialoga justamente sobre o tema: O amor em construção. O perfil dela no Instagram, imagem acima, tem os detalhes.
Uma coisa puxa a outra e lembrei-me de um artigo que postei aqui no blogue há alguns anos, que fala sobre a atitude de uma jovem diante de Josef Menguele, o carrasco de Hitler, em duas situações: quando ele pediu que ela dançasse para ele, e ela o fez de olhos fechados, fantasiando a música; e quando fugiu do seu assédio sexual, aproveitando-se do instante em que ele interrompeu a investida para atender o telefone.
Essa mulher sobreviveu a Auschwitz, emigrou para os Estados Unidos em 1944. Lá formou-se em Psicologia e dedicou-se a tratar pessoas com transtornos pós-traumáticos em razão da violência. O nome dela é Edith Eger, autora do pensamento que abre esta postagem.
As palavras e as atitudes, mesmo que aparentemente contrárias, se complementam. Ela transformou sua história em livro: A Bailarina de Auschwitz. Mais um livro de leitura indispensável.
Nada é como antes, mas aonde conseguimos chegar não é o lugar que nos acolhe como nos é devido. Ainda hoje, na maioria dos casos, “somos nós por nós”.
Extraio trecho de uma frase de Macaé Evaristo, mulher negra e periférica, deputada estadual pelo PT MG e ex-secretária estadual da Cultura no governo Fernando Pimentel, em debate na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Ela diz:
– É preciso indagar quem cabe na palavra mulher, por que ainda hoje somos invibilizadas em nossas diferentes e plurais mulheridades. Ainda hoje, principalmente em Minas Gerais, somos nós por nós. Faltam políticas públicas básicas.
Há a invisibilidade, situada nas diversidades sociais, de cor de pele e nível, digamos, intelectual, de acesso à oportunidades em diferentes níveis.
E há a descontinuidade na aplicação das políticas públicas essenciais, até mesmo o Bolsa Família, que se perdem nos intercâmbios entre a União, estados e municípios até o público-alvo.
Exemplo disso são as medidas protetivas para mulheres vítimas de violência, que recorrem ao direito de manter afastado de si e do seu entorno o agressor.
Há pesquisa atual, a 10ª edição bianual do Mapa sobre Violência contra a Mulher no Brasil, sobre as ocorrências – deixo os links ao pé da postagem.
Com base no índice de mulheres que já sofreram violência doméstica, cerca de 30%, estima-se 7 milhões 233 mil 911 mulheres pediram medida protetiva no país.
Pedem, obtêm, mas em quase metade dos casos, 48% na média nacional, o algoz quebra a ordem judicial. O que a pesquisa não diz é que, não raro, a agressão se repete, quando não redunda em feminicídio, e só aí torna-se manchete na mídia convencional.
Escrevi um livro a respeito – Em Nome da Filha, Viseu 2018 – de como a omissão do Estado é fatal em casos de relacionamento abusivo, violência contra a mulher, que acaba em homicídio a despeito de reiteradas denúncias da vítima e de seus familiares.
O risco de feminicídio é permanente na sociedade de cultura machista
O curioso é que a edição recente da pesquisa detecta a percepção feminina da causa do mal: 62% atribuem ao fato de que o Brasil é um país “muito machista”. A perspectiva é maior entre as mulheres do Rio de Janeiro (73%), Pernambuco (72%), Distrito Federal (69%) e Ceará (68%).
Todavia, se há a consciência de que a violência doméstica praticada por homens é epidêmica, e na opinião das entrevistadas aumentou no último ano. Isso 18 anos depois da sanção da Lei Maria da Penha, que ainda não é bem conhecida por quase um terço das mulheres, o que é espantoso.
É interessante observar, também, que a subnotificação dos casos de agressão continua alta, basicamente por dois motivos: medo de fazer a denúncia e sofrer consequências físicas ou patrimoniais; a falta de identificação de que seja agressão a violência sofrida, verbal ou psicológica, por exemplo.
Note-se que a pesquisa é base de informação para o Mapa Nacional da Violência Gênero, plataforma que unifica a base de datos sobre violência contra a mulher no país. Reúne projetos do Senado Federal, do Instituto Avon e da ONG Gênero e Número em único painel.
A inciativa será apresentada na 68ª Comissão sobre a Situação das Mulheres (CSW), que será realizada em Nova York no dia 14 de março, a convite das Nações Unidas.
Em meio a dados de tamanho impacto, é preciso assinalar o quão importante é a retomada do projeto Casa da Mulher Brasileira, parte estrutural do Programa Mulher Viver sem Violência, criado pelo governo Dilma Rousseff em 2014, e desmantelado pelos usurpadores e golpistas de plantão.
Pois bem, na última semana de fevereiro, a Ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, esteve no Recife para assinar acordo de cooperação com o Governo de Pernambuco para a construção de três unidades do programa: no Recife, em Caruaru e em Petrolina.
No mesmo diapasão, ano passado, a Paraíba também foi contemplada com acordos para implantação de três unidades do programa: em João Pessoa, Patos e Campina Grande.
As obras nos dois estados, com contrapartida dos governos estaduais e municipais, estão em fase de licitação e devem ser iniciadas ainda no primeiro semestre.
Trata-se de medida fundamental para garantir acolhimento, atendimento humanizado às mulheres vítimas de violência, sem que elas tenham que submeter ao que a ministra Cida Gonçalves define como “rota crítica” em busca de seus direitos e de proteção.
A Casa da Mulher Brasileira reúne num só local todos os serviços essenciais ao atendimento integrado à mulher em situação de violência: delegacia, juizado especializado, Defensoria Pública, Ministério Público, Patrulha Maria da Pena, assistência psicossocial, serviço de autonomia econômica, abrigo provisório por 48 horas.
A retomada do programa demanda investimentos da ordem de R$ 250 bilhões pelo governo federal, através dos ministérios das Mulheres e dos Direitos Humanos e da Justiça e Segurança Pública para a construção de mais 13 unidades da Casa da Mulher Brasileira, dentre as quais as citadas.
O horizonte do governo federal, definido em maio de 2023 é construir 40 unidades até o final da gestão.

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Grupo Summus – editora do livro Sexualidades, Corpos e Poder
Com
Agência Senado
DataSenado divulga pesquisa de violência contra a mulher nos estados e no DF
Dados locais são essenciais no combate à violência contra a mulher, aponta debate
Gov.br
Governo libera orçamento para a construção de mais 13 Casas da Mulher Brasileira
PB.gov
Ministério das Mulheres autoriza implantação de mais uma Casa da Mulher Brasileira na Paraíba
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Postagem revista e atualizada dia 07.03.2024, às 14h21: correção de erros de digitação, substituição de palavras repetidas e adequação de termos usados em três frases, sem prejuízo do conteúdo.