por Sulamita Esteliam

Vou fazer diferente neste 08 de Março. Normalmente eu postaria um poema de elegia ou protesto, ou escreveria alguma coisa a partir de uma pesquisa ou dados disponíveis sobre a condição da mulher no Brasil e/ou no mundo.
Desta feita, rendo minhas homenagens, e apresento, a quem não conhece, a precursora do feminismo no Brasil, e ao que consta na América Latina: Nísia Floresta Brasileira Augusta. Codinome de uma potiguar de nascimento, que trazia no registro civil e na certidão de batismo, Dionísia Gonçalves Pinto. Deixou bela herança.
Toda menina e mulher, todo menino e homem também, deveria conhecer um pouco da história de Nísia Floresta. Assim como toda menina e mulher, e todo menino e homem também, deveria buscar a história de suas raízes: para conhecer a sustança feminina, ainda que seja filha/o de chocadeira.
Voltemos à Nísia. É uma história fantástica. Educadora, escritora e poetisa, nasceu, viveu e morreu durante o império. Feminista, abolicionista, libertária a seu modo, e a seu tempo, e ainda hoje. Tornou-se nome respeitado na Europa, berço da civilização até então, e ainda hoje, reconhecida como civilização.

Nísia nasceu no sítio Floresta, em Papari, no Rio Grande do Norte, 1810. Curioso que o dia do seu aniversário de nascimento, 12 de outubro, seja feriado da Padroeira – além do dia consagrado às crianças. O pai era português, a mãe brasileira.
Andou aqui pelo Recife, para onde veio com a família, e onde seu pai foi assassinado, em 1828. Aqui se casou. Aqui ficou viúva. E aqui publicou no Espelho das Brasileiras o primeiro artigo, e vários outros sobre a condição feminina, já em 1831.
O pseudônimo homenageia sua origem, sua condição, e o pai de sua única filha, Lívia. Pela filha, acidentada gravemente, migrou para a Europa, e fixou-se em Paris. Por lá viveu décadas a fio, com algumas incursões em terra brazilis. Lá tornou-se estrela, no sentido real e figurado.
Certo é que a omissão ou a invenção de sobrenomes não é só coisa do Brasil, da nossa pátria ainda hoje em formação. Ao povo, o trabalho e as migalhas do direito de ser gente. Às mulheres o divino direito de parir e cuidar. E isso desde remota História, aqui, acolá e alhures.
Todavia, nestas plagas, o nome, muitas vezes era definido por escrivães semi-analfas sobre analfabetos de pai e mãe. Isso quando registro havia – e até hoje há quem não o tenha, ônus da secular opressão da casa-grande sobre a senzala, que há pouco mais de uma década começou a mudar no Brasil.
No mais, desde sempre, aos eleitos, a educação, o direito de linhagem, a saúde e até o ar que se respira.

E foi como educadora e escritora sobre a condição da mulher que Nísia Floresta se notabilizou. Ela defendia, e com razão, que a educação era a trilha inescapável para a emancipação feminina. Fundou escolas para meninas, no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro. Escreveu livros e artigos em defesa da causa; em pleno início do século XIX.
É de sua autoria o primeiro livro que se tem registro nestas plagas sobre o assunto: Direito das Mulheres e as Injustiças dos Homens, em 1832, inspirado na obra da inglesa Mary Wollstonecraft: Vindications of the Rights of Woman. Na verdade, tradução adaptada, a partir de obras anteriores, ao contexto brasileiro.
Escreveu outros: Conselhos à Minha Filha, 1842; Opúsculo Humanitário, 1853; A Mulher, 1859; Fragments d’un ouvrage inédit: Notes biographiques, 1878, sua última obra – mais aqui.
Quem m’apresentou Nísia Floresta Brasileira Augusta foi um amigo em tempos idos, também potiguar. Emprestou-me um caderno inteiro dedicado Nísia Floresta, edição especial, de jornal cultural natalense. Intrigante é que eu jurava já ter escrito sobre isso aqui… Se escrevi, não etiquetei legal, pois nem Euzinha encontro na busca…

Fui aplicada, entretanto. Busquei Nísia em outros compêndios. Há vários. Dentre eles, tese de mestrado de doutoramento em Literatura Brasileira pela USP da conterrânea, Constância Lima Duarte, em 1991, publicada pela Editora Universitária/UFRN, 1995.
Anos passados, junto com meu companheiro, voltamos a Natal, em novembro de 2013 – mais de uma década após a última estada. Quatro ou cinco anos depois de Euzinha ouvir, pela primeira vez, sobre Nísia Floresta e sua trajetória.
Claro, quis, conhecer a terra onde brotou, e onde tornou-se semente, desde 1954, quase 70 anos após a mudança de plano: Papari, já Nísia Floresta, desde 1948. Óbvio, contei com a necessária cumplicidade de Júlio. Fomos. Parceiro é pra essas coisas, também.
O município está a cerca de 40 km ao sul de Natal, área metropolitana. Um presépio, ancorado por um secular baobá. Joelson, um garoto de pouco mais de 22 anos, que encontrei na rede, e que tornou-se querido, nos encontrou no túmulo. E cuidou de nos mostrar sua macondo – e a de Nísia.
Nome de escola e de museu, no entorno da igreja-matriz – templo que abrigou o corpo de Nísia Floresta. Até que lhe erigiram um túmulo, à beira da estradinha que leva a aprazível praia local (Tabatinga).

No mausoléu cor de rosa, ainda havia vestígios da celebração do duocentenário terceiro anos de nascimento da Augusta mulher que dá nome ao município. Joelson, atento e cuidadoso, se encarregou de limpar a imagem, detalhe que nos havia passado despercebido – anéis de fita adesiva, que certamente colaram cartazes alusivos.
A lápide informa o básico: nascimento e morte, translado do corpo para o Brasil/Rio Grande do Norte/Nísia Floresta, construção do monumento. E os créditos para os políticos de plantão.
Simples, quase tosco. Nenhum canteiro, nenhuma flor, nem grama. Apenas o túmulo e um placa de sinalização, dessas padronizadas para nome de rua, e praças, e paços. Não entendi por que ali não há um jardim, espaço de sensibilidade delimitado.
Lá mesmo onde, segundo consta, Dionísia teria nascido, num acampamento pós-guerra. Essa informação não está em lugar algum que consultei. Foi o que me contou a vizinha, idade um tanto, ou aparentemente, avançada. Placidamente instalada na cadeira de balanço do pequeno terraço da casinha.
Partilha o espaço com o túmulo da heroína, desde quando se casou, em meados dos 60. Ali pariu. Uma das crias, já madura, já ouvira falar, mas não tinha informações detalhadas sobre Nísia.
Uma das primeiras feministas? Abolicionista? Mas ela não era do tempo de dom Pedro e da princesa Isabel? Pois é: “A gente aqui não tem muita informação a respeito dela. A gente de fora acaba sabendo mais…”
Nem tanto. Mas sempre é tempo.
Breve e inesquecível estada.

Valeu Sula! Ótimo registro!
https://coletivonisiafloresta.wordpress.com/
Obrigada, Eneida. Tornei-me seguidora.