por Sulamita Esteliam

Em momentos de perda é que a gente percebe o quanto somos capazes de nos compadecer de outrem, de nos colocarmos no lugar das famílias, dos amigos, das pessoas das relações de trabalho. É um excelente teste, sobretudo quando a tragédia envolve personalidades da política, de qualquer matiz ideológico.
O acidente de avião que levou Eduardo Campos, ex-governador de Pernambuco e candidato do PSB à Presidência, deixou o Brasil em choque. Ainda mais porque acompanhada da sensação de prematuridade; ele acabara de completar 49 anos, dia 10 de agosto. E havia quem o considerasse uma das promessas da política brasileira – senão atual, futura.
Perplexidade é a palavra.
Todavia, o estado de choque não foi capaz de calar a pobreza de espírito. A falta de oportunidade ou o oportunismo e a vilania, até, grassam. Nas redes sociais e na imprensa convencional. Ninguém se preocupa com a dor que acompanha a tragédia. Se não há compaixão, o que dizer da elegância?
O que campeou pela rede, além de mau gosto, alongaria por demais esta postagem.
Fico apenas com três: um pastor evangélico, desses que dizem poder salvar a humanidade da torpeza, lamentou, no Twitter, que “num dia 13, número do PT, um acidente tenha levado Eduardo, e não Dilma”; uma candidata a deputada estadual em SP, do PSDB, postou um meme com Dilma com cara de pitbull e dedo em riste, avisando “se cuida Aécio, o próximo é você”, e outro tweet falso como se fosse @Dilma Bolada. Quando instada a se explicar, mandou os eleitores para aquele lugar…
É de embrulhar o estômago.
Ademais, cobro dos coleguinhas jornalistas, em quaisquer veículos, mas principalmente na TV, que alcança milhões. Sim, hoje foi daqueles dias de não desgrudar da telinha, sem deixar de usar o controle remoto, e alternar com a rede.
Bem sei, e por experiência própria, que é sufoco o tal do “ao vivo”. Mas não se pode divulgar como fato o que não está confirmado.
Muito menos garfar um entrevistado ao redor, e simular desconcerto com o desenrolar da fala dele. Aconteceu na Globo, em pleno Jornal Hoje. O rapaz dizia, e repetiu, chorosamente: “peguei no pedaço do corpo do meu querido candidato a presidente, ia votar nele…” O repórter, aparentemente, tenta mudar de assunto.
Pelo amor: como o cara sabia que o pedaço de corpo pertencia a quem? O avião explodiu, e agora mais tarde, à hora em que escrevo, se confirma, os corpos terão que ser identificados por DNA. Quem informa é o Corpo de Bombeiros. “Não há corpos para serem resgatados”.
Por favor, minha gente, recupere o senso do decoro.
Na Globo News, logo cedo, chegaram a anunciar a suspeita de morte da esposa, e mãe dos cinco filhos, de Eduardo Campos, Renata Accioly. Ela e o bebê Miguel acompanharam o candidato na entrevista que concedera, na noite de ontem, ao Jornal Nacional e à própria Globo News, mas retornaram ao Recife na sequência, em voo comercial.
Na Record, apresentadores e repórter agiam como baratas tontas, divulgando suposições e números de vítimas que não correspondem à verdade. Fico a imaginar se não existe produção nem chefia de reportagem na rede do bispo.
Na Band News, o histrionismo as especulações de sempre, em dobradinha dos de sempre. Haja!
Muito triste ver repórteres tarimbadas/os, de todos os canais, entrarem ao vivo para especular e/ou afirmar absurdos, no mero exercício de futurologia política chacoalhado com torcida e pregação. Ainda que recomendado por chefias, quem está na rua é que tem a pauta e o microfone nas mãos, e a responsabilidade sobre o que informar.
Na rua ou no estúdio, sequer têm a decência de esperar o cadáver esfriar.
Tão triste quanto, é o exercício invasivo do “esforço de reportagem”. Nessas ocasiões, a “cozinha” sugere, e quem bota a cara são os repórteres, mal ou bem comparando, transformados em urubus sobre a carniça.
Colocar o irmão do morto para entrevista ao vivo, na porta da casa da família enlutada, é demais. Câmeras ligadas, tome-lhe longa introdução sobre quem estava lá dentro: “inconsoláveis, a viúva e os filhos e…” . Tenha dó, Globo Nordeste.
Saí das ruas faz anos. Mas vejo que o esquema de cobertura não muda, seja qual for a tragédia. Se isso é Jornalismo, não sei o que fiz durante meus 35 anos de exercício da profissão, 18 dos quais na mídia convencional.
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Eduardo Campos é estrela, no mesmo dia em que seu avô, Miguel Arraes, morreu há nove anos. A diferença é que Arraes, que iniciou o neto na política, tinha 88 anos. Há quem acredite em coincidências. O Universo tem seus próprios caminhos.
O ex-governador de Pernambuco e candidato à Presidência da Republica pelo PSB estava com mais seis pessoas no Cessna 560 XL Citacion, que caiu no Bairro do Boqueirão, em Santos – SP. Depois de ser obrigado a arremeter quando tentava pousar na Base Aérea do Guarujá. O mau tempo motivou o procedimento.
Repito, o avião explodiu, confirmou a Aeronáutica,.Não há sobreviventes, nem corpos identificáveis sem o auxílio da ciência. Só depois as tratativas para o sepultamento. O de Eduardo Campos será velado, quando for possível, no Palácio Campos das Princesas, no Recife, e sepultado no Cemitério de Santo Amaro, no mausoléu da família onde estão os corpos do avô e de um tio.
O acidente aconteceu em torno das dez da manhã. A Aeronáutica vai investigar as causas, além do mau tempo. Moradores relatam que havia fogo na aeronave antes que ela desabasse sobre as casas do movimentado bairro de Santos.

Além de Eduardo Campos, morreram três colegas pernambucanos: o assessor de Imprensa, Carlos Augusto Leal Filho, Percol; o fotógrafo Alexandre Severo Gomes da Silva (que conheci mais de perto, enquanto trabalhou no Recife) e o cinegrafista Marcelo de Oliveira Lyra. Morreram, também, o assessor político Pedro Valadares, ex-deputado, e os pilotos Geraldo Cunha e Carlos Martins – aqui.
Marina Silva, candidata a vice na chapa de Eduardo, não estava no voo. A exemplo de Renata, tomou um avião comercial para Guarulhos, – onde gravaria programa para o horário político – junto com Geraldo Alckimin (PSDB), governador de São Paulo e candidato à reeleição.
As notícias iniciais eram de que outras sete pessoas, moradoras da região, estariam internadas com ferimentos leves, em consequência da queda e explosão da aeronave. À tarde, o Corpo de Bombeiros confirmou cinco pessoas, em entrevista à Record News.
Força e conforto para as famílias e amigos – de Eduardo Campos e dos demais que se foram. Uma coisa é a política, outra coisa é a humanidade.

O Brasil está em luto oficial de três dias, decretado pela presidenta Dilma Roussef:
“Estivemos juntos, pela última vez, no enterro do nosso querido Ariano Suassuna. Conversamos como amigos. Sempre tivemos claro que nossas eventuais divergências políticas sempre seriam menores que o respeito mútuo característico de nossa convivência”, diz a nota de pesar – clique para ler a íntegra.
O governo de Pernambuco decretou sete dias de luto oficial.
Todas as atividades de campanha estão suspensas, também pelos demais candidatos à sucessão presidencial e outros.

Partidos, PT inclusive, e organizações dos movimentos sociais e sindical, igualmente, divulgaram nota de pesar. Da mesma forma, os poderes Legislativo e Judiciário.
O ex-presidente Lula, que nunca escondeu a admiração por Eduardo Campos, e manteve a amizade a despeito do afastamento político, também: “O carinho, o respeito e a admiração mútua sempre estiveram presentes em nossa convivência”, diz a nota.
A morte de Eduardo repercutiu internacionalmente.
Que descanse em paz.
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Contraponto à degradação humana, deixo imagens de arte e sensibilidade:
1) A charge-despedida de Latuff, especial para o Brasil 247:

2) Ensaio fotográfico de Alexandre Severo, vítima fatal no acidente, com crianças albinas de uma mesma família de Olinda. Dica da colega jornalista e blogueira Cynara Menezes Twitter:
À Flor da Pele – Alexandre Severo


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