Receba nosso abraço, Dilma, querida

Mulheres com Dilma no Abraçaço pela Democracia - terça-feira, 19 de abril de 2016 - Foto: Luiz Rodrigues/Jornalistas Livres
Mulheres com Dilma no Abraçaço pela Democracia – terça-feira, 19 de abril de 2016 – Foto: Mídia Ninja
por Sulamita Esteliam

Cara e querida presidenta Dilma,

Devo reconhecer que não está sendo fácil atravessar esses dias em que o retrocesso nos ronda feito alma penada. Mas acompanhar sua postura de fibra, presidenta, tem sido uma lição e tanto.

E olha que quem o diz, como você, jamais foi dondoca bem-comportada, mas uma pessoa criada por uma mulher guerreira, com toda sorte de dificuldades, numa família de mulheres fortes, lutadoras e solidárias, mesmo que divirjam – e que gostam de, e costumam, ter o comando.

Sororidade é uma palavra aprendida recentemente, ainda que eu seja uma mulher que se considera feminista, chegada aos livros e às causas humanitárias, desde sempre. O sentido, não obstante, foi apreendido no ventre, creio.

Daí que, se está difícil para mim, e para tantas mulheres irmanadas na sororidade, que lhe admiram, como eu, e/ou que prezam nossa democracia engatinhante – frágil, como se constata, mais duramente conquistada -, imagino o que tem sido para você.

Se nós, irmãs de luta, que não carregamos, entretanto, o peso da sua responsabilidade, estamos à beira do colapso, imagina você.

Se não somos nós o alvo direto da ignomínia, do assédio moral e psicológico, da degradação e da humilhação moral e política, cotidiana, porém, a alteridade nos obriga a nos colocarmos em seu lugar.

A misoginia, o machismo e o desrespeito que regem os ataques à mulher Dilma Roussef, à presidenta da República, e que travam seu governo – com todas as criticas que se possa ter a rumos controversos – nos atinge e indigna.

Letícia Sabatella, atriz de grande sensibilidade, foi muito feliz em se expressar em ato politico recente no Planalto: “Querem tirá-la, presidenta, não pelos erros, mas pelos acertos de seu governo”.

“Estupro político” foi como definiu o grotesco abusivo da situação a filósofa Márcia Tilburi, com bastante propriedade.

Querem usurpar o cargo que lhe foi conferido por 54 milhões de votos, exatamente, pelo mínimo de igualdade logrados nas gestões do ex-presidente Lula, com sua decisiva contribuição nos ministérios que ocupou, e sua. Avanços que podem ser resumidos numa palavra: inclusão.

O preconceito, a ganância, a mesquinhez, o conservadorismo, a sede de poder, o autoritarismo e a cegueira fundamentalista que cevam o ódio, para se locupletar na desfaçatez, não podem barrar essa conquista, que é de todo o povo brasileiro. Até da parcela que não o reconhece.

A violação do Estado de direito, da Democracia, é fruto da prepotência dos maus perdedores, da sabotagem política e econômica deliberada. Mas também da omissão institucional que agride, do egoísmo beligerante, da manipulação abusiva da informação, da narrativa distorcida, da ignorância dos inocentes úteis, da hipocrisia que move os covardes.

Não obstante, não podemos deixar que matem nossa esperança, quebrem nossa confiança e fé na possibilidade de um país mais igualitário e soberano, de uma sociedade mais justa e equilibrada.

Nenhum passo atrás, lembra-se?

Foram com tamanha sede ao pote que ele está trincado. Se quebrar, o que há de precioso, a liberdade de escolha e de crítica, a alternativa de mudança, de evolução civilizatória, tudo vai para o ralo.

Mas nós, mulheres e homens de bom senso, aliados à sua força e determinação, somos o dique que vai barrar a insensatez. Nas ruas, na cabeça e no coração.

Temos o direito. O horizonte se afigura sombrio, mas não podemos fraquejar.

No domingo da vergonha, enquanto assistia, na rua, ao espetáculo da degradação humana, do avesso do avesso da política, juro que pensei em quem estaria a seu lado, segurando sua mão.

Mentalizei um abraço e canalizei todos os bons fluidos que sou capaz de emanar.

O dia seguinte me chegou carregado de nuvens, arrastando o tempo, feito canga. Custei a engatar.

E foi você, com sua altivez, mesmo empanada pela tristeza refletida no olhar, e mal-contida na voz, a enfrentar as perguntas às vezes capciosas, às vezes escorregadias, algumas até constrangidas dos colegas da mídia venal, que me sacudiu do torpor.

Pensei, enquanto ouvia você: esta mulher enfrentou a ditadura, a prisão, venceu a tortura, na juventude; esta mulher vem sendo desqualificada, atacada covardemente, desde que recebeu a faixa presidencial, na primeira eleição; esta mulher está jurada pelos poderosos de plantão, desde a disputa eleitoral; enfrentou o primeiro, o segundo e o terceiro turnos, e agora enfrenta o golpe, e continua de pé. Não tenho o direito de desabar.

“Estou tendo meus direitos torturados, mas não vão matar a esperança, por que eu sei que a democracia é o lado certo da História”, você disse.

E mais: “Não há contra mim nenhuma acusação de desvio de dinheiro público, enriquecimento ilícito, não fui acusada de ter contas no exterior. Recebi 54 milhões de votos e estou indignada.”

Você tem razão, não podemos nos dobrar à injustiça, à fraude, ao escárnio.

Há milhares de pessoas que têm direito a seguir incluídas, e outras tantas que ainda não pisaram a trilha da inclusão.

Há a Democracia a defender, essa palavra feminina, esta velha senhora que tentam subjugar e subverter.

“Como explicar esse processo de impeachment no quadro da democracia, da situação política e da situação econômica? Faço essa pergunta porque tenho profunda consciência que estou sendo vítima de um processo simultaneamente baseado numa flagrante injustiça, numa fraude jurídica e política que é a acusação do crime de responsabilidade sem base legal, sem crime e, ao mesmo tempo, de um golpe.”

São suas palavras, ditas aos jornalistas estrangeiros nesta terça. Já, então, a voz readquirira a firmeza, que é sua marca de indignação, e o semblante se mostrava mais desanuviado.

E que bom que existe a imprensa estrangeira, não é? Graças a ela o mundo todo sabe que você, o Brasil, está sendo vítima de um assalto, em nome da moralidade de ocasião. E que esse impeachment nada mais é do que um golpe, um atalho para chegar ao poder sem voto, e pela usurpação da vontade das urnas.

E você tem dito e repetido, com todas as letras: “É golpe”.

Aliás, não posso me furtar: confesso que gosto muito mais de você quando a presidenta é Dilma sendo Dilma.

E não sei se percebe, mas são duas versões da Dilma sendo Dilma: a mineira-gaúcha com a faca na bota, que cresce nas dificuldades – e que alguns enxergam Mônica a brandir o coelhinho; e a irônica que beira o sarcasmo, no estilo Dilma Bolada. Quem inspira quem, afinal?

Abraçaço_Dilva recebe flores das mulheres_Jornalistas LivresSim, acabei me enrolando toda neste vai e vem, e não falei do que me motivou a, finalmente, escrever esta carta, que ensaio há meses, mas que talvez tivesse outro tom.

O que me inspira a quebrar a distância, que se pretende desejável a qualquer escriba, é seu ar totalmente menina, nesta noite. Feliz da vida, a receber flores e xêros (versão pernambucana para o beijo) da mulherada, das crianças, no Abraçaço pela Democracia nesta tarde-noite em frente ao Palácio do Planalto.

Foi convocado pelas redes sociais, sabia? Era para ser na Praça dos Três Poderes, devem ter lhe contado as mulheres da comissão que foi até o seu gabinete entregar-lhe os manifestos. Mas as mulheres foram chegando, chegando, algumas com suas crias, outras com seus companheiros, mulheres de todas as idades, alguns homens solidários… ganharam uma pista, que acabou interditada.

De repente, era uma multidão, e a mídia venal teve que cobrir.

Foi lindo e emocionante, fala a verdade. Até chorei, e veja que não sou única.

Euzinha acompanhei desde o começo, pela rede, via transmissão da Mídia Ninja/Jandira Feghali. Tem sido uma companheirona a Jandira, uma irmã no sentido do termo, há de concordar.

Você bem que anda precisando de um afago. Todo mundo precisa do combustível do carinho, por maior que seja a fortaleza.

E ainda bem que você decidiu descer a rampa, e receber a energia do toque, que transcende, e muito, as palavras de ordem estimulantes – que por mais de uma hora lhe chegavam aos ouvidos.

“Dilma, querida, você fica!” “Dilma, guerreira da Pátria brasileira!” “No meu país eu boto fé, porque ele é governado por mulher.”

Abraçaço a Dilma3-19.04.16Bom, melhor ficar por aqui.

Desculpe-me a ousadia se não uso o tratamento indicado pela formalidade. Deveria ter escrito senhora, em respeito à sua posição.

Mas é que vejo em você a irmã mais velha que jamais tive. E não é de agora, desde quando torcia para sua indicação como candidata a suceder o presidente Lula, na contramão do terceiro mandato militante. As pessoas achavam que eu havia pirado.

Ganhou-me de vez quando demoliu o Agripino Maia em audiência numa comissão no Senado, já ministra-chefe da Casa Civil, depois de ter debelado a crise energética no Ministério das Minas e Energia.

E há midiotas que a consideram uma “ameba”. Quem são eles para lamber a sola dos seus sapatos.

O senador do Democratas perguntou, julgando-se mordaz: “A senhora mentiu na ditadura, mentirá aqui?”

E você devolveu, sem pestanejar: “Eu me orgulho muito de ter mentido senador, porque mentir na tortura não é fácil. Agora, na democracia se fala a verdade; diante da tortura, quem tem coragem, dignidade, fala mentira.”

Ainda que jamais tenha estado a menos de 200 metros de você, a distância que nos separa dos palanques de campanha, sempre me senti co-responsável.

Depois veio o blogue, concebido para ser uma trincheira política, dos direitos individuais e das mulheres, e à narrativa do PIG – que Euzinha frequentei anos a fio, e conheço por dentro -, nascido a 11 de setembro de 2010, ano da sua primeira eleição.

Tenho muitas irmãs, é bom que saiba. Sou a primeira de três mulheres e um homem que minha mãe pariu, e tenho com o trio afinidades distintas, mas importantes, felizmente. Entretanto, desfruto da graça de outra meia dúzia de irmãs de escolha recíproca.

Escolhi ser sua irmã. E irmãs de luta, quero crer, dispensam protocolos, sobretudo quando carecem de um abraço.

Pois receba o meu abraço, querida irmã.

Junto o abraço de cada uma das minhas cinco filhas – três de sangue e duas de coração. E ainda o abraço do meu filho, e o abraço do meu companheiro e, atrevo-me a dizer, também o abraço da minha neta e dos meus três netos.

Estamos com você nesta jornada pelo respeito, contra o golpe e pela Democracia.

#Machistas, golpistas, não passarão!

 

 

As mulheres foram chegando, chegando... de repente era uma multidão -Foto: Roberto Stuckert Fo/PR/Blog do Planalto
As mulheres foram chegando, chegando… de repente era uma multidão – Foto: Mídia Ninja

 

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Postagem revista e atualizada às 9:51: correção de erros de concordância, substituição de palavras repetidas e inclusão de algumas frases que melhoram a compreensão da mensagem.

 

5 comentários

  1. Parabéns, Sula! Nas noites de insônia que enfrento desde que esse turbilhão político começou feito um tsunami tentando acabar com a nossa jovem democracia, ler seu texto foi um alento. Nossas mulheres não fogem â luta e você é uma delas.

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