por Bertha Lopes – Especial para o A Tal Mineira
Juliana Linhares é uma jornalista de sorte. A revista Veja, sua empregadora, nunca lhe dera antes a oportunidade de se revelar. Há exatos cinco dias, isso aconteceu. Com um texto meloso de corar Sabrina, Bianca e Júlia ela conseguiu o que muitos almejam nesse mundo coalhado de famosos: celebridade.
Juliana nos brindou com uma composição que não caberia nem nas famosas publicações feminino-juvenis dos anos 70 e, quiçá, nas dos anos 1920, quando as mulheres desse triste planeta sequer tinham o direito de votar.
O título, coisa de editor – é claro, tirado lá do terceiro parágrafo do manifesto à submissão feminina e à mercantilização da mulher, viralizou. Deu fama à escriba, sem, no entanto, inscrever o nome dela no panteão da gloria.
Faço-o, agora, por justeza a Juliana e em nome dos direitos autorais.
O libelo ao machismo e à misoginia não se revela só no título. A frase de abertura é de queimar fábricas de sutiãs.
“Marcela Temer é uma mulher de sorte.”
É mesmo sorte se juntar por arranjo a um homem quatro décadas e tanto mais velho?
É mesmo sorte ter que dividir a cama com um setentão, ter que tolerar o peso de sua história secular, sua pele flácida, seu bafo de charuto e vinho, sua cara caricata?
É mesmo sorte ter sua dita inexperiência sexual, como mercadoria, oferecida, rifada como se fazia e ainda se faz em salões elegantes e nos cabarés dos cafundós?
É mesmo sorte entregar sua juventude e beleza, com a anuência da mãe, a um homem da geração de seu avô?
“Marcela se casou com Temer quando tinha 20 anos. O vice, então com 62, estava no quinto mandato como deputado federal e foi seu primeiro namorado”.
“Sacudida, loiríssima e de olhos azuis, Norma Tedeschi acompanhou a filha adolescente em seu primeiro encontro com Temer.”
É isso o que Juliana desnuda.
Não o meme.
É isso o escondido debaixo de sete lençóis, como se diz aqui nas Gerais.
Aqui também se diz que quem conta um conto, aumenta um ponto. E Juliana, na sua submissão machista, na sua visão canhestra, ou, quem sabe, ludibriando a patroa, esperta e sutilmente, nas entrelinhas, narra o que o faz-de-conta esconde.
Juliana me fez pensar em coisas horríveis. Coisas que dizem respeito a costumes, a valores. Coisas de um Brasil profundo. Dote. Mãe que vende filha. Leilão de virgindade. Coisas dos cafundós dos brasis. Coisas guardadas a sete chaves.
Mas certamente não é disso que se trata, não é Juliana? Afinal é a vice-primeira-dama, bela, recatada e do lar, que, num golpe de sorte, ou por sorte do golpe, pode se tornar primeira-dama.
Sei que não é o caso, mas se fosse, numa vaga hipótese, nesses tempos em que uma revista faz uma capa com alusões à vida sexual da maior autoridade do país, em que os valores importantes da vida em sociedade parecem se esgotar, onde o outro não merece respeito, onde não há honra e tudo tem um preço, seria leviano perguntar de quanto foi o lance?

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Postagem revista e atualizada dia 23.04.2016, 01.37h: mutação do parágrafo 7º para 7º-11º, para melhor fluir do conteúdo.
Belíssimo texto! Triste ver a “sorte” de Marcela, uma pobre menina rica. Triste ver Juliana, uma mulher que se presta a exortar o machismo e tudo de mais sórdido que pode haver na humanidade. Feliz, porque as pessoas não gostaram.