

por Sulamita Esteliam
A Lei Maria da Penha, fez 10 anos no último domingo, e está sob o risco. Os mesmos parlamentares que são parte do estupro coletivo ao mandato da presidenta Dilma Roussef, e se armam para tratorar as conquistas sociais e trabalhistas dos últimos anos, querem violar a lei.
Registre-se que a Lei 11.340/2006 é considerada a mais completa do gênero no mundo. Mais importante, é conhecida por 98% da população brasileira.
E se há problemas estruturais que inibem sua efetividade, é inegável que vidas têm sido poupadas. Levantamento do Ipea mostra que, só em 2015, a redução do número de morte de mulheres vítimas de violência doméstica foi de 10%, comparado a igual período anterior.
Em estudo feito em 173 países revela que 25% deles ainda não contam com leis para proteger as mulheres da violência doméstica.
Naqueles que dispõem de legislação a respeito, 33% não pune os agressores e 25% não trata da violência sexual. Perto de 40% não incluem violência patrimonial – quando o homem produz dano parcial ou total aos bens ou recursos econômicos da mulher.
Ainda assim, há sete dúzias e meia de projetos de lei – isso mesmo, 89 propostas: 68 na Câmara e 21 no Senado – que pretendem modificar, a pretexto de “melhorar” a Lei Maria da Penha.
O problema começa com o fato de, ao contrário da lei vigente, construída coletivamente pelas mulheres em suas múltiplas organizações, nenhumas das propostas ouviu quem interessa. Nem o Conselho Nacional dos Direitos da Mulheres foi consultado.
As feministas, que com razão reivindicam o legado da Maria da Penha, temem que por melhores intenções que possam carregar, tais mudanças terminem por desfigurar a completude que a lei abarca. Ainda que o sistema de acolhimento previsto no texto ainda esteja longe de ser implementado em sua totalidade.
O projeto mais em evidência é o PLC 7/2016, originário da Câmara, que já passou Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, e pode ir a plenário a qualquer momento. O relator é Aloysio Nunes (PSDB-SP).
Originalmente, o objetivo do PL 36/2015, de autoria do deputado Sérgio Vidigal (PDT-ES), previa assegurar atendimento 24 horas, de preferência por agente do sexo feminino, de mulheres vítimas de violência de qualquer natureza, acrescentando-se à lei o artigo 12A – aqui.
Na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, ganhou o artigo 12B: dá ao delegado de polícia o poder de conceder medidas protetivas de urgência a mulheres vítimas de violência doméstica que tenham a vida ou a integridade física e psicológica em risco. Atualmente essa é um prerrogativa do juiz.
Um jabuti robusto, bem ao modus operandi parlamentar. Há quem enxergue na emenda a contemplação da briga dos delegados por equiparação salarial com juízes.
O argumento é de que nem todo lugar tem um juiz de plantão 24 horas, o que é fato. Na verdade nua, porém, é transferir o problema, que é estrutural, de estados e municípios; transforma-lo em caso de polícia, pura e simplesmente, o que desmantela o espírito da Maria da Penha.
É o que apontam, por exemplo, a Secretaria de Mulher da CUT e o CFêmea – Centro Feminista de Estudos e Assessoria.
A ministra da Secretaria de Políticas para Mulheres do governo Dilma Roussef, Eleonora Menicucci, teme pelos avanços obtidos com a Lei Maria da Penha, que é a integração de várias ações indispensáveis ao acolhimento da vítima.
A rede de proteção prevista na lei ainda deixa muito a desejar, conforme diagnosticou a CPMI da Violência Contra a Mulher, no Congresso Nacional.
Foi com base no relatório da comissão, o governo Dilma criou o programa Mulher Viver sem Violência, para dar suporte à implementação de fato da lei, com a necessária contrapartida dos estados e municípios.
A rede de proteção à mulher vítima de violência inclui, além do disque-denúncia Ligue 180, delegacias especializadas, assistência judicial – que inclui Ministério Público e Defensoria Publica -, assistência psicológica, social, médica, bancária, assistência para emprego e renda, alojamento de passagem, brinquedoteca, monitoramento de segurança. Tudo reunido na Casa da Mulher Brasileira.
O trabalho de implantação das casas começou em 2014, e há três unidades em funcionamento: nas capitais do Mato Grosso, Paraná e Distrito Federal. A previsão é uma Casa em cada unidade da federação.
A presidenta legítima, Dilma Roussef, em seu sítio pessoal, de outras conquistas a partir da Lei Maria da Penha: a Lei do Feminicídio, que torna hediondo o assassinato de mulheres, por ser mulher (2015); e a extensão da proteção da legislação às pessoas transexuais e travestis vítimas de violência.
“A Lei Maria da Penha é uma conquista contra a impunidade e a violência. É ponto de partida de um caminho construído com novas leis e com políticas de Estado voltadas à ampliação do poder das mulheres na sociedade brasileira.”
E, como bem afirma Maria da Penha, a guerreira que dá nome à Lei 11.340/2006, “a Lei Maria da Penha não precisa ser alterada. Ela precisa ser cumprida”.
Não aceitamos retrocessos.
Clique para ler a nota conjunta do Consórcio de Organizações Não-Governamentais Feministas pela Lei Maria da Penha, Instituto Maria da Penha e ONU Mulheres Brasil: