
por Sulamita Esteliam
O pôr do sol reflexo, a partir do salão da pousada Barriga da Lua, na Serra do Cipó, inspira a manter acesa a esperança.
Afinal, a vida é transformação infinda. E se o instante existe, e pode ser feliz, a gente deve tentar reproduzi-lo, mesmo que resulte em outro.
Um novo começo sempre é possível. No entanto, é preciso coragem.
Sabemos que este ano foi um desastre, e o próximo e o seguinte são reflexos, consequências: 2+0+1+6 = 9, noves fora zero. É tudo ou nada. E já vai tarde.
Deu nada, e o nada se traduz em treva, e urge buscar a luz. Fim de um ciclo ou começo de outro: 2+0+1+7 + 10 noves fora 1.
Sou daquelas que acredita que o curso da História também pode ser reverso.
Que o digam Ghandi, Mandela, Mao Tse-Tung, Fidel, Gorbatchov, Lula, Dilma, Morales e, por que não?, Obama. Cada um e cada qual na dimensão que seus atos lhe reservam um lugar na História.
Cultura da não-violência não implica submissão. Cada um luta com as armas que dispõe, de acordo com as circunstâncias.
Só a indiferença, o egoísmo, a traição e a desfaçatez não constroem.
A História está aí para explicitar a controvérsia.
Mahatma libertou a Índia do jugo secular inglês, sem um tiro. Verdade (satya) e não-violência (ahimsa). Satyagraha o caminho da revolução.
Aqui no Brasil, a Independência deu xabu, e o povo segue pagando a conta e o pato.
A minoria predadora sempre se locupleta no lombo do Zé e da Maria Povinho, desde antanho. Sem o menor pudor. Ali, o desenvolvimento econômico; acolá, a modernidade; aqui, o combate à corrupção – endêmica e tão velha quanto Cabral, o invasor.
Dentre tantos, há dois livros essenciais para entender o que eu digo: Brasil, uma Biografia (Heloíza Starling e Lilia Schwarcz) e a História da Imprensa no Brasil (Nelson Werneck Sodré).
Tente, experimente.
Violência gera violência?
Mao liderou a retomada da China contra o jugo do império japonês e a transformou numa potência sob regime comunista. Acusam-no de conduzir com mão de ferro o processo da Revolução Cultural, de matar milhares. Mas a China ganhou o mundo sobre as bases estabelecidas.
Fidel teve que armar-se para resgatar Cuba para seu povo. Cometeu excessos para resistir à usurpação, mas devolveu dignidade à ilha, traduzida em educação, saúde e autoestima para sua gente. Apesar do bloqueio continental, ainda vigente, quase 60 anos passados.
A História o julgará sob qual aspecto?
Madiba seguia a linha de Ghandi, até que a tirania se tornou insuportável. Liderou a resistência de seu povo e foi encarcerado por 27 anos. Nem assim conseguiram deter a marcha que derrotou o apartheid.
Presidente eleito da África do Sul, estendeu a mão ao inimigo branco, que soube responder ao chamado.
Ironicamente, o mesmo Nobel da Paz a que fez juz pela reconciliação de seu país foi entregue a Barack Obama, primeiro presidente negro dos Estados Unidos da América, no ano da sua primeira posse no comando do império. Um prêmio pela expectativa do que viria a ser.
Também aqui deu zebra.
Obama, o pregador da paz, fez guerra contra a Síria, o Afeganistão, Iêmen e a Somália. Aproximou-se de Cuba, mas Guantánamo, bunker em território cubano usurpado, continua moenda para trucidar inimigos, apesar das promessas e plano de fechamento.
A paz que eu não quero conservar para tentar ser feliz tomo emprestada de O Rappa.
Morales, um camponês, trilhou a via sindical e do voto para impor a soberania sobre as riquezas nacionais e a autoestima de sua gente, a maioria indígena boliviana. Contrapôs-se e venceu o desprezo, o ódio, a opressão das elites predadoras, nacionais e internacionais.
O mesmo fez Luiz Inácio, o retirante torneiro-mecânico, que veio a ser presidente do Brasil por duas vezes – e fez sua sucessora, também reeleita -, guindado por seus atos à condição de líder mundial. Para desespero dos sem-voto e dos sem-alma.
Seu maior mérito tornou-se pecado mortal, digno da penitência de execração pública. Reduzir a fome e a desigualdade social é crime de lesa-classe: mexer nos privilégios dos abastados e dos aspirantes do vir a ter não tem perdão.
Dividir para quê, se podemos acumular?
Aplaudido lá fora, execrado aqui dentro, desafia seus adversários e inimigos com sua obstinação em seguir altaneiro, inserido no meio do povo, e por este aclamado. É a ameaça a ser eliminada. Conseguirão?
Resiliência talvez seja a palavra que melhor defina Dilma Rousseff, a primeira mulher a presidir o Brasil. Ela que deixara de gostar de política, concedeu ir à disputa para manter os rumos do governo popular de maior sucesso na História da República, e da qual foi parte definidora.
Queiram ou não queiram os juízes.
Resgatou o coração valente da juventude para defender seu mandato popular e a democracia violada na fraude misógina que modelou sua deposição. Resistiu bravamente ao escárnio, não cedeu às chantagens de qualquer espécie.
Calou seus algozes – a maioria envolvida até o nariz com todo tipo de falcatruas -, com a altivez de quem não tem nada a esconder, com os brios de uma mulher. Mantém-se uma da mulheres mais poderosas do mundo, segundo a mídia internacional. E isso também é imperdoável.
Que papel a História reserva aos seus detratores e aos de Lula? E o que restará aos usurpadores, não apenas do mandato popular legítimo, mas violadores da Constituição Democrática, dos direitos do andar de baixo e da consciência da Nação?
O futuro é aqui e agora. É essencial não perder o prumo. É fundamental manter-se atento e pronto.
É prudente olhar em torno, pés firmes no solo, cabeça nas nuvens, coração quente. A ousadia de sonhar, a capacidade de sentir e agir movem o mundo.
A vida é um presente que não nos cabe recusar. Não obstante, dignidade não se compra nem se vende com desigualdade e com inércia; muito menos a paz social.
No entanto, ainda que estejamos dependurados no abismo, todos os dias são dias de renascer.
Que venha, pois, 2017!
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Postagem revista e atualizada às 20:57, hora de Brasília: correção de erros de digitação e pontuação na legenda da foto e em diferentes parágrafos do texto.
Belíssimo texto!
Sim, “o futuro é aqui e agora”, vale dizer – permita-me -, o nosso futuro depende do que fizermos atualmente.
Isso aí, Cícero.