
por Sulamita Esteliam
Ando deveras muito descompensada.
É cada vez mais frequente a vontade de jogar tudo pro alto, ligar o foda-se e gritar: ‘para o mundo que eu quero descer!’.
Deve ser coisa da idade.
Pode ser reflexo, talvez, de mãos feridas de tanto dar murro em ponta de faca.
Ando deveras abusada, e não posso escrever com fel e vômito.
Não é mistura a resultar coisa que preste.
Mas quando leio sobre a crueldade, a dor de ser e sentir-se humilhada e a rebeldia da superação, sinto que maior do que a dor é a luz.
Quando ouço e vejo mulheres como a professora Diva Guimarães e a também professora e escritora Conceição Evaristo, lembro-me que dor é outro nome para resistência.
O local foi a Flip em Paraty. Mas poderia ser qualquer outro lugar do Brasil e do mundo.
A ocasião é a oportunidade.
E bastou que um festival literário se abrisse para a riqueza que nos habita para que se explodissem maravilhas.
Duas mulheres negras, duas guerreiras, duas sobreviventes, duas pérolas de brasilidade.
Não posso sentir na carne o racismo, porque minha pele é branca.
Sim, há negros em minha família, mas dentre os que o são, poucos se assumem como tais.
Não posso sentir na pele a discriminação, a não ser pelo desfavorecimento social que está em minha origem, infância e adolescência.
Sei muito bem que a cor da minha tez e a força de quem me criou tornaram um acidente a desvantagem da pobreza.
Conheço de perto o cheiro da garra e a faísca interior que atiça o pertencimento e que nos conduz ao lugar que nos cabe ou aonde é possível chegar.
Quando me lembro de minhas avós, de minha mãe, das minhas tias, todas, sinto que não tenho o direito de murchar, mesmo tendo perdido o viço.
Devo ser grata pela possibilidade de estar viva, destrambelhadamente consciente de que não posso virar o mundo pelo avesso impunemente.
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Isto posto, compartilho dois vídeos que desnudam o que somos; nós, filhos dessa pátria tantas vezes pilhada e violada, Brasil.