por Sulamita Esteliam
Minha amiga-irmã Eneida da Costa, jornalista de primeira linhagem, envia para A Tal Mineira a crônica abaixo, publicada originalmente em seu blogue pessoal no Facebook, o Grisalha.
Digo que adorei a ideia do blogue e do título.
E redigo que é sempre muito bem-vinda a contribuição desta lavra fecunda e crítica.
Bebo nesta fonte generosa.
E partilho da preocupação e indignação com todo esse retrocesso – filho do golpe, do cinismo e da covardia.
Uma tragédia com a qual a mídia venal golpista é cumplice, e para a qual, por conseguinte, faz vistas grossas.
Como, aliás, assinala a presidenta Dilma Rousseff, a legítima, em seu sítio eletrônico: “Milhões de brasileiros voltam à extrema pobreza.”

À crônica:
O negócio da fome
por Eneida da Costa – no Grisalha/Facebook
Já está na rua e na mídia a campanha Natal sem Fome.
Quinze meses depois do impeachment, a indústria do assistencialismo bota sua cara mais hedionda pra fora do casulo.
Com cobertura da velha mídia parceira do golpe, a fábrica da doação está de volta.
Uma esmola, pelo amor de deus!
O Brasil do pobre fazendo três refeições por dia, o Brasil que saiu do mapa da fome é de novo esmoler.
Com pompa e circunstância, uma mesa de um quilometro de comprimento, insulta o país digno.
O Brasil da segurança alimentar. O Brasil do mercado consumidor interno. O Brasil com pobres pretos pobres na escola. O país que engatinhou na trilha da igualdade se humilha.
Uma esmola, pelo amor de deus.
Uma mesa quilométrica espera pela caridade, soberba e presunção de um Brazil esnobe que olha o povo de cima e deseja esse povo a seus pés, de joelho.
O Brasil altivo, do pobre comendo três vezes por dia, indo ao mercado buscar seu alimento, comprando com seu dinheiro o pão de cada dia volta a catar as migalhas que caem da mesa do egoísmo e da prepotência.
A indústria da fome e da miséria não pode parar.
A fábrica de pobres pedintes precisa funcionar.
O empresário da indigência tem pressa em faturar.
Freguesia reduzida não serve. Há que ter muito retirante, muito esfomeado. Há que ter crianças chorando no colo das mães com seios murchos.
O capitalista da penúria tem urgência.
Precisa vender cesta básicas.
Precisa de doação.
Precisa do show da benevolência.
O Estado arrombado produz a leva de miseráveis.
As igrejas fazem as filas. Os líderes religiosos sorriem, com concupiscência, exibem seus dentões como ratos. As igrejas organizam os miseráveis. A fila é longa. A fila anda. Devagar. Para crescer sem parar.
Vidas secas. O quinze.
O delírio da fome tem de voltar. Sem teto. Sem terra. Sem comida. Sem nome.
A clientela tem de aumentar. A fila anda. Mas anda de vagar. A fome urge. Não pode acabar.
O negócio é vantajoso. Sai na Globo. É lucrativo.
Pobre dá dinheiro. Viva o pobre. Morra o pobre.