
por Sulamita Esteliam
No Dia Internacional dos Direitos Humanos, data em que se comemora os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Brasil assistiu à diplomação de um presidente que nega a humanidade de todos que contrariam seus despropósitos.
É verdade que se trata de um presidente eleito. Não se pode negar que com discurso que contraria todos os princípios contidos na carta que inspira nossa Constituição cidadã.
Ironia pouca é bobagem.
Adicione-se o fato de que a diplomação se dá em meio aos questionamentos não apenas da lisura, que não houve, da campanha do presidente eleito. Expostas estão, já antes da posse, as entranhas do modus operandi do coiso e sua família, a revelar que tudo é 171. E os ritos seguem, como se nada estivesse acontecendo…
E no dia do enterro de um dos dois dirigentes do MST assassinados na Paraíba. Fruto parido da incitação à violência pautada pelo discurso do ora diplomado presidente eleito, é preciso que se diga.
A mesma violência que levou à execução da Marielle Franco, defensora dos direitos humanos, e do motorista Wellington Gomes. Duplo homicídio até hoje não esclarecido, e já se vai quase um ano. Quem matou, quem mandou matar Marielle? A segurança interventora diz que já sabe quem, mas não pode provar. Então tá.
Todavia, no vão desse Brasil cada vez mais triste, cínico e em desvario, quem se liga nos acontecimentos para além da agenda conveniente da mídia venal pôde ver que há um movimento de construção da resistência, embora a esperança ande em marcha-ré.
Em diferentes partes do País atos procuram manter viva a luta por direitos fundamentais: justiça, cultura, saúde, educação, trabalho, segurança, expressão, manifestação, liberdades individuais.
A ameaça de retrocesso é permanente em todos os campos; desde o golpe que derrubou a presidenta Dilma Rousseff, a legítima, violando a Constituição, e só tende a recrudescer.
É na fraude do impeachment que se abriu a porteira para o descalabro que a eleição do inominável só faz aprofundar.
O ex-presidente Lula está encarcerado há mais de oito meses na sede da Polícia Federal em Curitiba. É símbolo de violação grave dos direitos humanos, pois foi condenado em um julgamento político, sem crime e sem provas.
Por trágica ironia, é o presidente que mais fez pelos direitos humanos neste país.
Pela liberdade de Lula, uma multidão se reuniu no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC em São Bernardo, São Paulo. Presentes ao ato lideranças do campo progressista, nacionais e internacionais.
Em carta da prisão, Lula ressalta a violação de seu direito a um julgamento justo e a condenação arbitrária que resultou em sua prisão política. Fernando Haddad, candidato de Lula e e do PT à Presidência da República no último pleito, leu a carta;
Lula lembra que não está sozinho. A História está repleta de casos de líderes mundiais que, como ele, sofreram perseguição, prisão e tiveram seus direitos violados:
“Hoje tenho certeza de que tenho o sono mais leve e a consciência mais tranquila do que aqueles que me condenaram. Não quero favores; quero simplesmente justiça. Não troco minha dignidade pela minha libertação”, escreveu.
Transcrevo a íntegra, a partir do sítio lula.com.br/ :
Meus amigos e minhas amigas,
Esta é uma data muito especial para a humanidade. Há 70 anos, consagramos na ONU uma carta de direitos inspirada na solidariedade, no respeito ao semelhante, no reconhecimento às diferenças, no primado do direito e da liberdade, na busca da paz e do entendimento entre homens e mulheres e nações. Hoje é dia de celebrar o quanto avançamos, desde então, para implementar esses direitos.
É dia de recordar os heróis dessa luta em todos as frentes: Martin Luther King, sacrificado pela defesa dos direitos civis; Nelson Mandela, que viveu 27 anos encarcerado pelo regime do apartheid; Mahatma Gandhi, que ainda antes da carta dos Direitos Humanos fez da não-violência a mais forte resistência ao regime colonial, e tantos outros que lutam no cotidiano por um mundo melhor.
Aqui no Brasil, tivemos a oportunidade de colocar em prática muitos dos preceitos da carta, como a liberdade de organização e de expressão, o fim da censura, o reconhecimento dos direitos das mulheres, das pessoas LGBT. Começamos a resgatar a dívida secular com os negros e os indígenas. E condenamos firmemente a tortura.
É muito triste, para mim, saber que nesta data temos de homenagear dois novos mártires da luta pelos direitos: os companheiros José Bernardo da Silva (Orlando) e Rodrigo Celestino, do MST, assassinados neste fim de semana no acampamento Dom José Maria Pires, na Paraíba.
Peço a todos que prestem uma homenagem a esses heróis do povo brasileiro e da luta pelos direitos humanos. Eles foram vítimas do mesmo discurso de ódio e violência que atingiu Marielle e Andreson, mestre Moa do Katendê e o jovem Charlione Albuquerque, entre tantos outros que foram e são perseguidos e ameaçados.
Estes heróis vão continuar vivendo em nossa luta. Em nome deles vamos defender as conquistas do nosso povo, pelo direito à vida em sua plenitude, contra a intolerância, o preconceito e o arbítrio.
Oito meses atrás eu estava aí no Sindicato dos Metalúrgicos, cercado pelo carinho e solidariedade de milhares de companheiros e companheiras que não se conformavam com minha prisão arbitrária e injusta. Quero dizer que continuo com vocês e todos os dias penso no futuro do nosso povo.
O Brasil e o mundo sabem que os procuradores da Lava Jato, o Sergio Moro e o TRF-4 armaram uma farsa judicial para impedir que eu fosse eleito presidente mais uma vez, como era a vontade da maioria dos eleitores. Fui condenado por “atos de ofício indeterminados”, ou seja: por nada. Não apresentaram uma prova contra mim e desprezaram todas as provas de minha inocência.
Hoje tenho certeza de que tenho o sono mais leve e a consciência mais tranquila do que aqueles que me condenaram. Não quero favores; quero simplesmente justiça. Não troco minha dignidade pela minha libertação.
Agradeço profundamente a solidariedade que recebo todos os dias, de pessoas do Brasil e de outros países. Agradeço aos companheiros da vigília Lula Livre, aos que mandam cartas ou me visitam em Curitiba, aos que fazem manifestações, redigem petições, atuam nas redes sociais exigindo o julgamento justo a que tenho direito.
Estou consciente de que, mesmo nas condições difíceis que estamos vivendo, não só no Brasil mas em muitos países, a luta pela efetivação dos Direitos Humanos vai seguir adiante. Ainda iremos construir um mundo de paz e fraternidade, onde todos e todas, sem exceção tenham direito a uma vida digna.
Até o dia do nosso reencontro. Um abraço do companheiro,
Luiz Inácio Lula da Silva.”