por Sulamita Esteliam
O dia não poderia ser mais triste. O anúncio de autoexílio do deputado Jean Wyllys para preservar sua vida não é apenas consternador, é aviltante, é indigno.
E nós, cidadãs e cidadãos (viu, senhor presidente do Inep!) assistimos de camarote? Hoje é o Wyllys, amanhã sou eu, você, qualquer um de nós.
Ou vamos celebrar a atitude do deputado, reeleito por seus méritos, por seu trabalho íntegro e corajoso em defesa das minorias, que renuncia ao mandato conquistado nas urnas porque não vê possibilidades de exercê-lo sem transformar-se em vítima?
Como, aliás, fizeram o capitão-presidente e seu pimpolho.
O mesmo deputado, ora senador eleito, envolvido até os cabelos que lhe restam com todo tipo de malfeito, inclusive ligações não explicadas com a milícia fluminense e milicianos suspeitos de executar Marielle Franco e Anderson Gomes.
Ou, quem sabe, vamos criticar Wyllys por fugir à luta quando o país mais precisa de resistência e coragem?
Pode se imaginar na pele de Jean Wyllys? Euzinha, confesso que não sei o que faria estando em seu lugar… E você, diga-me, o que você faria?
Alguém quer saber se ele é jornalista, professor, escritor, baiano ou carioca?
Para o bem ou para o mal, todo mundo só enxerga nele o gay assumido que sempre foi, o primeiro a chegar ao Parlamento assumindo sua condição e com uma pauta clara de trabalho em defesa dos direitos LGBT. Que aliás, cumpriu com maestria.
Exatamente por isso, sofre toda sorte de vilipêndio. A começar pelo então colega, hoje capitão-presidente da República.
Exatamente por isso está, há tempos, sob ameaça de morte, vivia sob escolta, desde quando Marielle Franco, vereadora do Rio po seu partido, o PSol, foi executada.
Quem somos nós para julgar o que vai na cabeça e no coração de Wyllys?
Quem pode esquecer a cusparada que Wyllys de nas fuças do deputado Jair no dia da votação do acolhimento do pedido de impeachment fraudulento da presidenta Dilma Rousseff?
Foi resposta à altura dos insultos que recebera, ao vivo e em cores para todo o Brasil e para o mundo.
Sim, a despedida do deputado Jean Wyllys (PSol-RJ) deu-se em longa entrevista concedida ao repórter Juliano Barros, da Folha de São Paulo. Eis o link, embora acessível apenas a assinantes.
O deputado também usou as redes sociais para se despedir.
Ele explica, em carta à Executiva do PSol, que transcrevo ao pé da postagem, que sua tomada de decisão foi refletida e sofrida:
“Cheguei ao meu limite.”
Na entrevista à Folha, ele cita o aconselhamento lúcido e poético do ex-presidente do Uruguai, José Mujica, diante das ameaças de que era alvo:
“Rapaz, cuide-se. Os mártires não são heróis…”
O PSol apoia a decisão de Jean Wyllys.
David Miranda, também do mesmo partido, o primeiro gay eleito vereador pelo Rio, é o suplente de Wyllys na Câmara dos Deputados.
Estou em choque. Posso dizer que hoje cheguei mais perto do choro, que ainda não derramei, desde outubro, do que em qualquer circunstância. Mas ainda não foi desta vez.
Resta-me a torcida de que o pranto retido não me envenene…
Fecho com a merecida homenagem do cartunista Renato Aroeira a Wyllys, que capturei em seu perfil no FB, obrigada.
Carta de Jean Wyllys ao PSol
À Executiva do Partido Socialismo e Liberdade – PSol
Queridas companheiras e queridos companheiros,
Dirijo-me hoje a vocês, com dor e profundo pesar no coração, para comunicar-lhes que não tomarei posse no cargo de deputado federal para o qual fui eleito no ano passado.
Comuniquei o fato, no início desta semana, ao presidente do nosso partido, Juliano Medeiros, e também ao líder de nossa bancada, deputado Ivan Valente.
Tenho orgulho de compor as fileiras do PSol, ao lado de todas e todos vocês, na luta incansável por um mundo mais justo, igualitário e livre de preconceitos.
Tenho consciência do legado que estou deixando ao partido e ao Brasil, especialmente no que diz respeito às chamadas “pautas identitárias” (na verdade, as reivindicações de minorias sociais, sexuais e étnicas por cidadania plena e estima social) e de vanguarda, que estão contidas nos projetos que apresentei e nas bandeiras que defendo; conto com vocês para darem continuidade a essa luta no Parlamento.
Todo esse horror também afetou muito a minha família, de quem sou arrimo. As ameaças se estenderam também a meus irmãos, irmãs e à minha mãe. E não posso nem devo mantê-los em situação de risco; da mesma forma, tenho obrigação de preservar minha vida.
Ressalto que até a imprensa mais reacionária reconheceu, no ano passado, que sou a personalidade pública mais vítima de fake news no país. São mentiras e calúnias frequentes e abundantes que objetivam me destruir como homem público e também como ser humano. Mais: mesmo diante da Medida Cautelar que me foi concedida pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA, reconhecendo que estou sob risco iminente de morte, o Estado brasileiro se calou; no recurso, não chegou a dizer sequer que sofro preconceito, e colocaram a palavra homofobia entre aspas, como se a homofobia que mata centenas de LGBTs no Brasil por ano fosse uma invenção minha. Da polícia federal brasileira, para os inúmeros protocolos de denúncias que fiz, recebi o silêncio.
Portanto, volto a dizer, essa decisão dolorosa e dificílima visa à preservação de minha vida. O Brasil nunca foi terra segura para LGBTs nem para os defensores de direitos humanos, e agora o cenário piorou muito. Quero reencontrar a tranquilidade que está numa vida sem as palavras medo, risco, ameaça, calúnias, insultos, insegurança. Redescobri essa vida no recesso parlamentar, fora do país. E estou certo de preciso disso por mais tempo, para continuar vivo e me fortalecer. Deixar de tomar posse; deixar o Parlamento para não ter que estar sob ameaças de morte e difamação não significa abandonar as minhas convicções nem deixar o lado certo da história. Significa apenas a opção por viver por inteiro para me entregar as essas convicções por inteiro em outro momento e de outra forma.
Diz a canção que cada ser, em si, carrega o dom de ser capaz e ser feliz. Estou indo em busca de um lugar para exercitar esse dom novamente, pois aí, sob esse clima, já não era mais possível.
Agradeço ao Juliano e ao Ivan pelas palavras de apoio e outorgo ao nosso presidente a tarefa de tratar de toda a tramitação burocrática que se fará necessária.
Despeço-me de vocês com meu abraço forte, um salve aos que estão chegando no Legislativo agora e à militância do partido, um beijo nos que conviveram comigo na Câmara, mais um abraço fortíssimo nos meus assessores e assessoras queridas, sem os quais não haveria mandato, esperando que a vida nos coloque juntos novamente um dia. Até um dia!
Jean Wyllys
23 de janeiro de 2019