
por Sulamita Esteliam
Bem que gostaria de fazer valer a sexta-feira, e falar do livro da minha amiga carioca-recifense, Márcia Jacome, com fotos divinas do Recife e de Maputo. Vou ter que adiar o propósito e o deleite de quem me honra com o acesso diário ou eventual.
É óbvio que o assunto do dia não tem nada de prazeroso: a tragédia anunciada do rompimento das barragens na Mina do Feijão, da Vale do Rio Doce, em Brumadinho, nas Minas Gerais.
Trata-se de mais um desastre do capítulo crime humanitário e ambiental da lavra da mineradora. É preciso dar nome de César ao que é de César.
Explico o “desastre anunciado”: Minas tem cerca de 50 barragens sujeitas a rompimento, segundo os próprios órgãos ambientais. A que explodiu no início da tarde desta sexta, fazendo transbordar outra, talvez, fosse a “mais segura” delas; tanto que teve licença de operação ampliada por mais 10 anos, no final do ano passado.
O fato de o Estado autorizar o funcionamento, sob determinadas condições, não livra a empresa operadora de cercar-se de cuidados e responsabilizar-se pela segurança do empreendimento, vamos convir.
Isso para além do modelo muitíssimo questionável de exploração de recursos primários, em vigor desde tempos ancestrais.
Note-se que não mudou nada nas Minas tão Gerais. O atual governador, homem de negócios por excelência, cultiva os mineradores como parceiros de credo e ação. Tanto que teve com alguns deles os primeiros encontros da agenda executiva.
Aliás, palmas para a reportagem de Rafaella Dotta, do Brasil de Fato, desnudando a postura de Zema, o probo. Jornalismo é isso, não é gerenciamento de crise, por conta e risco da caixa registradora.
Um raro contraponto do cheque em branco para o “novo”, mantido o incesto montanhês, tão ao gosto das Alterosas.

Todavia, ao que tudo indica, a gigante brasileira, que já foi nosso orgulho – mas nem tanto -, parece ter perdido os fundamentos na associação com a estrangeira BHP, pós-privatização.
Recebi, aliás, num dos zilhões de zaps nossos de cada dia, uma observação sobre entrega de patrimônio público, que vem a calhar.
Lembra o propósito da industrialização do Brasil embutido na criação da Vale do Rio Doce por Getúlio Vargas. Aí, vem FHC, 45 anos depois, e vende a empresa a preço de banana – no limite da i-responsabilidade.
Como custou quase nada, a empresa passou a vender ferro bruto para a China e, também por isso, entramos em processo de desindustrialização.
Benjamin Steinbruch, o majoritário da Vale, fica com o lucro bilionário. E o Brasil com os buracos nas montanhas e a lama a cobrir sua gente, seus rios, matas e cidades.
Resumo da ópera: lucro de um homem, prejuízo de uma nação. E viva o empreendorismo!
É mais do mesmo no espelho do capitalismo predador.
O Rio? É doce.
A Vale? Amarga.
Ai, antes fosse
Mais leve a carga.
II
Entre estatais
E multinacionais,
Quantos ais!
III
A dívida interna.
A dívida externa
A dívida eterna.
IV
Quantas toneladas exportamos
De ferro?
Quantas lágrimas disfarçamos
Sem berro?
(Drummond, Lira Itabirana, 1984)
Depois de Mariana, uma tragédia que até hoje cobra alto custo das populações afetadas e do meio ambiente, Brumadinho.
Há três anos, 19 pessoas e uma vila foram engolidas pelas lama. E a comunidade, digamos, anfitriã, e outras centenas de comunidades ao longo do Rio Doce, perderam seu elo de sobrevivência pela degradação da natureza.
Tudo sob o olhar complacente e cúmplice de quem, legal e institucionalmente, deveria protegê-los. Aí incluído o sistema de Justiça, que a gente sabe muito bem a quem serve.
Desta vez é pior. Os mortos ainda não se contam às dezenas, no momento em que escrevo – sete é o número oficial até agora. Mas o eufemismo “desaparecidos” se traduz em, pelo menos, duas centenas.
A boa notícia é que há uma lista nominal, divulgada pelo Corpo de Bombeiros mineiro de resgatados com vida: 182 pessoas, das pouco mais de quatrocentas que estariam no cenário mais próximo no momento do desastre.
Para tristeza dos familiares e amigos de Duane Moreira de Souza, trabalhador terceirizado pela MRS, e aniversariante do dia, seu nome não está entre eles.
Do ponto de vista ambiental – com repercussões na qualidade de vida das pessoas – afeta, em maior ou menor grau, toda a bacia do Paraopeba – um dos rios da minha infância; o outro é o Rio das Velhas. Risco que se estende até a Barragem de Três Marias, no São Francisco.
Percebe a dimensão do estrago?
Era hora do almoço quando a primeira barragem rachou. Pouco depois, a segunda barragem não resistiu à pressão e deitou água sobre a lama de rejeitos.
Mas as sirenes não tocaram, e elas deveriam alertar a população para a eminência do perigo.
Quer dizer que a tragédia humana, como quer o presidente da Vale, Flávio Schvartsman, poderia ter sido muito pior do que o pior que ele já admite, comparando o desastre de hoje com o de há três anos.
Tipo, o que a empresa afirma, o lema “Mariana nunca mais”, anunciado pelo atual presidente ao tomar posse, em 2017, não se escreve.
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PS: O vídeo abaixo, postado em meio ao texto original não se refere ao desastre em Brumadinho. Trata-se de outro desastre, mas em Laos, no sudeste asiático, ocorrido em setembro de 2017, quando uma hidrelétrica se rompeu. A informação é da agência de checagem aosfatos.org/
Recebi a imagem junto com outras sobre o acidente em Minas de um grupo de pessoas de Brumadinho. Tomei-as como corretas, todas. Corrijo, substituo por dois outros, agora sim, do local do desastre com a barragem da Vale, e peço desculpas a você que confia no A Tal Mineira.
Agradeço à amiga-irmã, e jornalista, Elma Heloíza, pelo envio do link.
Obrigada também às colegas jornalistas Eneida da Costa, amiga-irmã e seguidora deste blogue, e Iris Carolina Miguez, pelo alerta.
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