por Sulamita Esteliam
É de chorar o recrudescimento do nada airoso complexo de vira-latas incrustado em certos setores do Brasil, e comumente alimentado pela mídia nativa. Um sentimento que embota o raciocínio lógico, e faz gente bem-intencionada cair no conto do marketing irresponsável do desgoverno pipoqueiro do capitão-presidente.

Veja o exemplo da “ajuda” oferecida por Israel e aceita pelo desgoverno do capitão-presidente para o resgate de vítimas do desastre da Vale em Brumadinho.
A tropa, é disso que se trata, desembarcou no domingo à noite, com honras de Estado e todo estardalhaço a manipular o sentimento de tragédia e derrota ante o descaso criminoso que ceifa a vida de centenas no município mineiro.
Sem contar os danos ambientais cuja proporção é desmedida. Afora o estrago emocional e psicológico de quem sobrevive à catástrofe.
Pouco importa a dor das pessoas. É puro jogo de cena.
Pouco importa os brios da comunidade científica nacional, na qual se inclui os institutos tecnológicos das três armas – Exército, Marinha e Aeronáutica.
A ajuda israelense chega três dias depois do desastre que desapareceu com ao menos três centenas e meia de pessoas – veja o resumo das informações disponíveis até então ao pé da postagem.
Qual a possibilidade de sobrevivência sob 15 metros estimados de lama encrustada de resíduo de minério? Os fundamentos dizem que 48 horas é o tempo máximo. As exceções são “pontos fora da curva”, diz-se em linguagem técnica.
Nenhuma das forças envolvidas no trabalho de resgate nem as Forças Armadas brasileiras dispõem de tecnologia para localizar e resgatar corpos soterrados?
Como o país tem conseguido agir em tragédias a cada verão no Sul-Sudeste, e a cada inverno no Norte Nordeste, por exemplo?
E no caso de desastre aéreos, como temos nos resolvido até então?
Faço a mim e aos meus essas e outras perguntas enquanto acompanho o noticiário, por rádio, TV e internet desde o eclosão do desastre. Questões que, em nenhum momento são colocadas para as autoridades responsáveis pelo resgate ou palacianas nos três níveis.
Ouvi, sim, estarrecida, coleguinhas tentarem encurralar o prefeito de Brumadinho, vulgo Nenem da Asa (PV). e ele safar-se como dá conta.
Não vejo a mesma valentia ou agudeza para com a responsável pela catástrofe, como atribui o próprio, a Vale. Ou mesmo para com representantes do Estado, o que aprova e o que fiscaliza.
Reporta-se, simplesmente, uma iniciativa tosca, como se fosse a panaceia, quase um louvor.
Em nenhum momento se questiona se essa incursão em território brasileiro, a título de ajuda humanitária, põe em risco a soberania do país, por exemplo. Quem coloca o dedo na ferida é o colega Leandro Fortes, no Brasil 247, mídia alternativa.
“Nossas Forças Armadas têm know how e competência para agir em Brumadinho.
Desconheço o trabalho dos militares israelenses, nesse caso. Mas gostaria muito de saber quanto vai custar esse carnaval.
Porque, depois da patacoada sobre Jerusalém e, agora, a entrada de uma força estrangeira no Brasil, sem autorização do Congresso Nacional, começamos a pisar na areia movediça do Oriente Médio, de graça.
Com o Estado Islâmico na cola.”
Outra leitura que vale, sem trocadilho às avessas, é o depoimento do colega Luis Nassif no seu Jornal GGN. Experiente no assunto, também oferece uma série de acessos a reportagens de sua lavra ao longo dos últimos 16 anos, pelo menos.
Escreve, já na conclusão:
“A engenharia militar participou dos maiores feitos econômicos e tecnológicos nacionais. Foi essencial na implantação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), na criação do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), na montagem da infraestrutura nacional em transportes, comunicações, indústria de base, nas grandes estatais (Embratel, Telebras, Petrobras). Participou da implantação do padrão Pal-M para a TV a cores no Brasil; além dos produtos tipicamente militares, como radares, blindados, armamentos.
É inacreditável que o espírito antinacional, de subserviência que marca o grupo de Bolsonaro, tenha feito menosprezar até a tecnologia militar, do seu mais influente avalista.”
E as Forças Armadas brasileiras, a quem constitucionalmente cabe a defesa da soberania e a segurança da nação, fazem-se de mortas.
Ou tudo isso seria calculado? Se é, com que sentido, somar destempero para atingir mais rápido a cadeira presidencial?
A quem serve escancarar o quintal para a predação? Brasil acima de tudo para quem?
Sim, existe uma lei que disciplina o ingresso de forças estrangeiras no país, em determinadas condições, a Lei Complementar 149/2015. Dispensa a autorização do Congresso Nacional tão somente nas seguintes circunstâncias:
“O ingresso de forças estrangeiras é permitido para participação em programas de aperfeiçoamento; visita oficial ou não oficial, inclusive as de finalidade científica e tecnológica; atendimento de situações de abastecimento, reparo ou manutenção; e missão de busca e salvamento.”
Seria este último caso, com boa vontade.
Só que, a mesma lei, determina que “as forças estrangeiras deverão especificar, no pedido de ingresso no Brasil, o trecho a ser transitado e também o tempo de permanência”.
Vou e volto.
No início da noite, recebo o link de matéria da Folha de São Paulo – só acessível a assinantes, e o sou virtualmente.
O comandante do Corpo de Bombeiros de Minas nas operações de resgate, tenente-coronel Eduardo Ângelo, reconhece que os equipamentos trazidos pelos militares israelenses para Brumadinho “não são efetivos para esse tipo de desastre”.
A reportagem é assinada pelo colega Rubens Valente, da sucursal de Brasília, e que está no local dos acontecimentos. Então, creio que ele, se o conheço bem, fez a pergunta. E a resposta em detalhes é:
“O ministro de Israel se pronunciou a respeito das dificuldades que eles tiveram. O imagiador (equipamento) que eles têm pegam corpos quentes, e todos os corpos [na região] são frios. Então, esse já é um equipamento ineficiente.”
Quer dizer, conto do vigário manco, senão pornográfico.
Ainda que, como admitiu o comandante, “o apoio seja importante como mão de obra”, sempre acompanhada por equipe dos Bombeiros.
Pense numa mão de obra cara!
Dez mil quilômetros em linha reta, no minimo 12 horas e 40 minutos de viagem, com 132 oficiais das Forças de Defesa de Israel e toneladas de equipamentos. Translado, hospedagem e alimentação para a tropa, interpretes para a comunicação indispensável.
Bom e a IV Brigada de Infantaria Leve logo ali, em Juiz de Fora. O general-vice-presidente diz que os serviços foram oferecidos ao governador Zema, o probo…
É o resumo da ópera trágica e pantomímica.
Coisas do Brasil. Triste Brasil.
O balanço do quarto dia do desastre da Vale, às 20:14 com fonte no Corpo de Bombeiros de Minas, e que o blogue recebe via MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens, através do zap-zap, é o seguinte:
- 65 vítimas fatais resgatadas, das quais 31 identificadas.
- 279 pessoas sem contato ou “desaparecidas”, somando-se trabalhadores da Vale ou terceirizados e moradores de Brumadinho.
- 192 pessoas resgatadas pelo Corpo de Bombeiros.
- 386 pessoas localizadas.
- 135 desabrigados.
- Descartado o risco de rompimento da barragem B6, que na madrugada de domingo disparou o alarme de perigo.
- O estouro da Barragem da Mina do Córrego do Feijão, que provocou o transbordamento de outras duas no complexo da mineradora, despejou 12 milhões m³ de rejeitos na área.
- O Rio Paraopeba já foi contaminado pela lama de rejeitos. O efeito é de tsunami. A estimativa é que 310 quilômetros rio acima sejam tomados até desembocar na usina de Retiro Baixo, em Pompéu, na Microregião de Três Marias.
- Portanto, há risco, sim, de que chegue ao Rio São Francisco.
- A lama pode atingir 19 municípios e, assim, comprometer o abastecimento d’água de cerca de um milhão de pessoas.
- Moradores de Brumadinho seguem cobrando informações de autoridades e da Vale.
- Justiça bloqueia o equivalente a R$ 11 bilhões em bens da Vale para custear despesas com resgate e indenizações de vítimas e familiares.
- Estado de Minas Gerais multa a Vale em R$ 99 milhões
Fotos: Lincon Zarbietti, capturadas no Instagram, obrigada pela confiança e generosidade de sempre.